Uma revista, uma garrafinha d’água, dinheiro para o táxi e muita disposição. Essas quatro coisas eram tudo o que Valdir trazia consigo em sua caminhada à rodoviária de manhã cedo. Chegou quase duas horas antes da previsão de desembarque do ônibus que vinha de Presidente Prudente trazendo Leila, procurou um banco vazio em que pudesse se sentar, abriu sua revista e se pôs a esperar.

(Rubinho passou a noite de Natal acordado esperando o Papai Noel. Sustentar os olhos abertos após as 11 da noite não é uma tarefa simples para uma criança de quatro anos. Sua mãe estava trabalhando em uma festa de família da Zona Sul; seu pai, incumbido de cuidar do pequeno, roncava bêbado sobre o sofá. O Bom Velhinho nunca deu as caras, muito menos deixou um presente na árvore…)

O ponteiro dos minutos não tinha dado meia volta no relógio. A revista estava pouco interessante (ou talvez sua concentração estivesse horrível); os olhos de Valdir corriam as linhas sem absorver conteúdo algum. Ele achou melhor caminhar pela rodoviária para espairecer. Seria a primeira vez que ele encontraria Leila pessoalmente, depois de mais de quatro meses de conversas pela internet.

(Dona Francisca era pura alegria! Bem na hora do almoço, ela havia emprestado seus 500 reais de aposentadoria recém-sacados a um jovem que precisava pagar uma conta no banco e estava sem dinheiro em espécie. Como garantia, ele deixou uma raspadinha premiada de 10 mil e prometeu um quinto do valor a ela. “Coitado”, pensou ela, “acho que vou aceitar só metade do que ele prometeu…”. Cansou-se de esperar. Chegou em casa tarde da noite a pé, porque não tinha dinheiro nem para o táxi.)

Faltava uma hora para o ônibus chegar e a mente de Valdir começou a lhe pregar peças: “E se ela não gostar de mim?”; “E se ela não me encontrar e se perder?”; “E se ela…?”. Tratou de ir à lanchonete comer alguma coisa, não sem antes passar no banheiro depois de acabar com a água da garrafinha: precisava ocupar a mente porque o tédio e a ansiedade já queriam consumi-lo de dentro para fora.

(Marilyn chorava quase todas as noites ao se lembrar do beijo de despedida que dera em Frank quando este foi para a guerra na Europa. Eles se correspondiam com a frequência que as atividades militares permitiam, e com a velocidade do serviço postal intercontinental. Mas hoje era dia de receber carta do amado! No balcão do correio, os nomes dos soldados eram bradados pelos carteiros. Pouco a pouco, as garotas pegavam suas mensagens e deixavam o prédio. Uma lágrima silenciosa escorreu dos olhos de Marilyn quando ouviu “É o fim das cartas, menina. Sinto muito…”. Só ela sobrara sem ter o que levar para casa depois de tanto esperar.)

Vinte para as dez. Menos de um quarto de hora separava Valdir de Leila. Ele não continha a felicidade, exibindo-a como um estandarte no sorriso pregado no rosto. Flores! Decidiu comprar flores para ela! “Mas por que não tive essa ideia antes?!” Correu como um louco para a entrada da rodoviária para dar tempo de recebê-la com um ramalhete lindo, cheiroso e singelo.

(Jackson foi buscar seu filho na porta da escola, uma surpresa que faria para tentar se desculpar pelas grosserias que havia dito pela manhã ao trazê-lo. O menino já sabia andar de ônibus, e o fazia desde o começo do ano, mas quem não gosta de conforto? O pai teve o cuidado, inclusive, de parar um pouco longe da entrada para não envergonhá-lo na frente dos colegas da turma. O sinal soou, a molecada saiu, a rua se encheu de jovens uniformizados. À proporção que o volume de pessoas na porta do colégio diminuía, aumentava a preocupação de Jackson por não ver seu filho. Nem o inspetor, nem a diretora, nem os cinco estudantes que sobraram sentados na calçada haviam visto o rapaz após o intervalo. Esperou-o por mais duas dezenas de minutos. Seu paradeiro é desconhecido até hoje…)

Na hora marcada, Valdir pôs-se de pé em frente à porta de desembarque da rodoviária. Mão direita no bolso, mão esquerda empunhando as flores, pernas rígidas de tensão, lábios tentando em vão empurrar o sorriso largo para dentro da boca. Uma multidão saía por aquela porta e nenhuma delas sequer carregava um décimo da beleza e sutileza de Leila. Cinco minutos e ela não apareceu. “Ficou para retirar a mala do bagageiro”. Dez minutos. “Nossa, acho que a mala dela deve ser a última e estar pesada!”. Vinte e cinco minutos e o desembarque cessou. Valdir abordou a equipe da empresa de viação, os últimos a passarem por ali: não ficara ninguém para trás. “Será que eu errei de horário?! – Moça, por favor, quando chega o próximo ônibus de Prudente?” – “Daqui seis horas só…”.

(Renata tinha que ser forte! Conseguiu fazer uma ligação para a polícia e passar sua localização, só precisava resistir às investidas do sequestrador psicopata que a levara do estacionamento do supermercado. Ainda assim, convencer a mente de que uma navalha cortando-lhe a pele não é altamente doloroso não é uma tarefa que ela é capaz de realizar. Golpes de porrete. Alicate. Maçarico! “Pelo amor de Deus, apareçam logo!” foi o último grito que conseguiu dar com o último suspiro que lhe restou. O corpo não aguentou esperar…)

Leila não estava em nenhum dos outros dois ônibus de Prudente que chegaram à rodoviária naquele dia. Também não estava atendendo o celular. Nos dias seguintes, não respondeu os e-mails dele ou ficou online no programa de chat. O rapaz chegou a pensar que havia alucinado, mas olhava todo dia o histórico de troca de mensagens para garantir sua sanidade. Desde então e para sempre, ele a esperou…