Ele caminhava despretensiosamente pela calçada, buscando a entrada do parque, e ela estava sentada em um banco no ponto de ônibus do mesmo lado da rua. Aquele semblante triste dela, que mirava o infinito como se tudo a sua frente fosse transparente, chamou-lhe a atenção, mas nada que o tirasse de sua rota.

O destino, porém, em seu esforço ininterrupto para tirar as coisas de seus caminhos mais prováveis, fez com que um cachorro, que era levado à coleira pelo seu dono, surtasse e começasse a latir para o rapaz. Com o susto, ele tropeçou, apoiou-se como pode sobre a estrutura do ponto de ônibus e deu um grito curto, mas muito agudo, incompatível com seu tipo físico.

A menina, tirada de seu estado de transe, fitou a cena e esboçou um sorriso tímido. O sorriso mais suave que ele já presenciara! Não era largo como uma gargalhada, nem de canto de boca, como o cínico, ou ainda mostrando os dentes por obrigação, como o sorriso formal. Era um arquear dos lábios sutil e gracioso, acompanhado do par de sobrancelhas que se erguia de forma quase imperceptível; suficiente para ele decidir ali mesmo que ela era sua paixão.

Aproveitando a deixa daquele momento ridículo, unida ao fato do cachorro já ter sido levado embora pelo seu dono, o rapaz virou para a menina e disse em tom jocoso: “É nessas horas que se separam os homens das bichinhas, não é?!”. O sorriso misterioso alargou-se um pouco mais naquele rosto de pele lisa, mas desta vez seu olhar migrou para o chão.

Temeroso em perder o contato que conseguira com ela, ele se manteve falando, mas fingindo que conversava com o nada, como se faz quando a vergonha bate e as palavras forçam a saída boca afora. “Não que eu tenha algum preconceito, sabe, mas gosto de meninas… E não estou me insinuando, não é isso; quer dizer, você é bonita, mas… Bom, creio que você entendeu!” O sorriso dela veio buscando seu espaço nos lábios a cada palavra, sendo que ele não sabia se ela ria dele ou para ele. Na verdade, pouco importava, dado que ele faria qualquer coisa para continuar a observá-la sorrir.

De repente, ele meteu a mão no bolso. Tirou um pedaço de papel amassado de lá (a notinha da lanchonete em que estivera horas antes), buscou em sua mochila uma caneta e rabiscou algo. Enquanto isso, o sorriso dela desaparecia aos poucos, e o olhar voltava para o horizonte. Quando terminou de escrever, guardou a caneta, dobrou o papel, segurou levemente o punho da garota, que se assustou com o movimento, colocou o bilhete em sua mão e saiu em passos rápidos. Nem sequer olhou para trás.

Ela, sem entender muito o que se passava e supondo que passaria a compreender se lesse o conteúdo do papelzinho, assim o fez. “Você é linda! Espero que saiba disso! Te espero na porta do parque se achar que eu mereço. Ricardo”. Mais uma vez, ela sorriu. Corou. Assim que tirou os olhos do papel, viu que seu ônibus se aproximava. Deu sinal para o coletivo, entrou e partiu.

O tempo passou e o mundo rodou, como sempre roda independente da nossa vontade. Em um domingo comum, Ricardo preparava sua bicicleta para se exercitar em frente ao parque, cuidando para garantir que Fubá, seu labrador, não saísse de perto levando a própria coleira. O cachorro chamava a atenção de todos que passavam, por ser muito dócil, contente e agitado, além de bonito e bem-tratado, o que seu dono fazia questão de garantir.

Sem que o rapaz percebesse, uma pessoa se aproximou de Fubá e o acariciou. Percebendo a agitação do bicho, Ricardo virou-se para ele e a viu. O mesmo sorriso suave, o mesmo rosto lindo, os cabelos alguns dedos mais compridos apenas. Seu coração palpitou! Um misto de ansiedade, euforia e frustração tomou-lhe de assalto. Ele travou.

“Belo cachorro, parabéns! Como ele se chama?” – “Fubá”, disse Ricardo com voz baixa. Imediatamente, a menina escondeu o sorriso, desviou o olhar antes direcionado ao cachorro e emudeceu. Ele continuou a arrumar a bicicleta e comentou, sem mirá-la nos olhos: “Você continua linda…”.

Ele não ouviu resposta. Tremia muito, o que só dificultava o processo de esticar o cabo do freio, o último ajuste que faltava para que ele pudesse começar a pedalar. Sentiu uma mão pousar sobre seu ombro e, quando se virou, a menina tomou sua mão, entregou-lhe um papel sobre ela e partiu apressada. Entendendo a situação, Ricardo não pôde segurar um sorriso de conformação e abriu o bilhete para lê-lo.

“Você é lindo também, e sei que sabe disso. Te espero na sorveteria do parque se achar que eu ainda mereço. Cíntia”

Ricardo sorriu largamente. Respirou fundo e envolveu Fubá nos braços, trocando carinho com o cão. Em seguida, fixou o olhar na aliança dourada que trazia na mão direita, beijou-a, entrou no parque montado na bicicleta com o cachorro ao seu lado e pedalou no sentido oposto ao de Cíntia.