Eu não me recordo quando foi a primeira vez que a vi, mas sei que a conheço de longa data. Ela sempre esteve por perto quando eu era criança, às vezes só rondando, às vezes acenando e se fazendo notar, algumas até chegando a passar a mão na minha cabeça com seus dedos finos e unhas compridas, bem feitas e sem esmalte.

Ela nunca foi (e não é) bem quista por ninguém; aliás, disseram-me que ela não poderia ser aceita e eu assimilei esse preconceito. Por seu jeito tímido, silencioso, de poucos amigos, aprendi que ela deveria ser combatida ou ignorada. E, mesmo sabendo que sempre estaria por aí, fingi que ela não fazia parte da minha vida.

Mas, assim como não é possível ignorar que o Sol nasce pela manhã e se põe ao fim do dia, assim como não se pode acreditar que um tijolo arremessado do alto de um prédio vá para cima, não dá para querer que Tristeza deixe de existir. Sendo assim, as coisas ficam mais fáceis se você aceita que ela vai ficar ao seu lado cedo ou tarde, e que se vai da mesma forma que chegou.

Quando eu percebi isso, quando vi que não dava só pra viver com seu irmão gêmeo, a Alegria (sim, é do gênero masculino, mas falarei disso em outro post), tudo pareceu fazer mais sentido e doer menos. Isso porque a Tristeza, dona de um corpo muito magro, tem uma força que não faz jus à sua constituição; quanto mais ela é empurrada para longe contra sua vontade, mais ela enterra os dedos no peito de seu detrator e enrola os longos cabelos pretos, finos e muito lisos nos membros de quem a rejeita. Sinceramente, não acho que ela o faça por mal ou por carência. É apenas parte da sua natureza ser assim, uma natureza que não pode ser comparada á do ser humano, e raramente é entendida por completo.

Agora que a conheço um pouco melhor, decidi abraçá-la de volta quando ela me envolve. Ainda não a vejo se aproximar, mas vez ou outra viro a cabeça e percebo que uma jovem de olhar distante, geralmente cabisbaixa, roupas casuais, escuras e simples tem uma mão sobre meu ombro e a outra no bolso. Continuo a me assustar à primeira vista; porém, passada a primeira reação, sorrio para ela (mesmo sabendo que ela nunca sorrirá de volta, se é que já sorriu em sua existência) e passo a mão por sua cintura.

Não a tomo como minha com esse ato, de forma alguma. Tenho ciência de que ela partirá quando lhe convier, mas esse toque, essa cumplicidade, essa tentativa de intimidade faz sua companhia machucar muito pouco. Em geral, ponho uma música para ouvir, divido meu fone de ouvido com ela e trato de escrever um pouco. Ela observa atentamente cada letra rabiscada, apesar de nunca emitir uma opinião. Não raro, me deixa antes que eu tenha cessado o que quer que estivesse tomando forma no papel, pelo que guardo o material e espero pacientemente seu retorno, não necessariamente desejando-o.

Esse texto mesmo já foi começado e pausado porque ela sumiu por um tempo. Retomei-o quando percebi a mão branca e fria pousar sobre mim, em um abraço não desejado, mas não rejeitado. Creio que, por ora, estamos bem nesta relação em que eu sei muito pouco e ela não parece se importar comigo.