As cortinas fechando sobre minha vista constroem o muro final entre mim e ela. Desde o início, notei a moça da segunda fila que fitava o palco com algo mais do que o olhar de espectador, apesar da insistência das luzes voltadas para o palco em tentar me cegar.
O primeiro ato foi leve, de apresentação dos personagens e de quebra de gelo com a plateia. E já nesse momento, no primeiro encontro de nossos olhos, algo aconteceu. Seu sorriso me prendeu e o brilho do rosto me enfeitiçou, sereia que canta sem emitir som.
O segundo ato escancarou os dramas de cada pessoa da peça, e nós identificamos o nosso. Há quem diga que quando se olha tempo suficiente no fundo dos olhos de alguém é possível ler seus pensamentos. Verdade ou não, algo assim aconteceu quando eu senti que não a veria nunca mais. As angústias do meu personagem viraram garras e se enterram no meu coração, saindo pelas falas decoradas com dor e pesar.
No terceiro ato, meu personagem morreu. Morte sem tragédia, um ataque cardíaco enquanto dormia. Saí de cena. Da lateral do palco, contudo, continuei a observá-la sem ser percebido e vi seu semblante mudar. Ela voltara a ser espectadora e minha morte fictícia parecia pesar sobre seus ombros como se tivesse perdido alguém que fora querido por ao menos meia vida.
Do ato final eu não participei em palco. Tive que ficar reunido com o staff nos bastidores e fiquei só no mundo. Eu não queria estar ali; queria a cadeira B102, a jovem de cabelos ondulados com a cabeça em meu ombro segurando o choro ao presenciar o desfecho de teatro europeu, as mãos dadas com dedos entrelaçados, como se essa ligação nos impedisse de sucumbir à depressão absoluta frente a constatação da efemeridade da vida.
Aí voltamos ao agora em que nos damos conta de que a partir daqui seremos apenas memória um para o outro. Não há solução, não há remédio, não há saída. Assim que esses metros de pano tocarem o solo, ela vai abaixar a cabeça, secar os olhos mareados, suspirar, sair pela porta e, quem sabe, tomar um café. Já eu voltarei para o camarim e escreverei algo triste pra que a força que amassa meu peito pule daqui para o papel e me deixem respirar.