No alto do morro, em uma reentrância que lembrava a entrada de uma caverna, Saak’loo estava deitado de barriga para cima esperando pela Passagem. Mesmo já a tendo feito uma vez anteriormente, as sensações de ansiedade e apreensão preenchiam seu corpo.

O principal sintoma de que a hora da Passagem havia chegado era o abdômen dilatado, que em nada se parecia com gordura ou doença. Era a barriga da Passagem. Uma vez que ela aparecesse, o indivíduo deveria se afastar da tribo e escolher um lugar calmo e seguro para atravessar o momento. E assim estava Saak’loo: sozinho, distante, seguro. E assim estava ele: com medo, inseguro e ligeiramente triste. Apesar do lado bom, a Passagem não deixa de ter sua face indesejada.

Ela chegou. Começou pela boca secando rapidamente, como se houvesse engolido sal puro. Os lábios incharam e a língua se sentia áspera e dura. Essa etapa demora algumas dezenas de minutos, seguidos de uma turbidez na visão. Não era possível focar mais as paredes da reentrância ou o céu que aparecia após a borda do teto de onde ele estava. Cada piscada do olho seco arranhava como areia.

A audição desaparecia de repente, anunciado por um estampido alto e sucedido por um apito agido que ia suavizando até a surdez, no tempo de dez ou quinze piscar de olhos. Daí veio a coceira pelo corpo todo, sintoma da pele que se ressecava sem aviso. O cabelo deixava o couro cabeludo aos tufos, à medida que as mãos alcançavam o alto da cabeça para responder aos desejos do comichão. Nesse processo, as pontas dos dedos rachavam e sangravam e as unhas caíam.

Cego, surdo, incapaz de abrir a boca e com a pele rachando sozinha, careca e sofrendo a dor de cada uma dessas deficiências, o ultimo ato da Passagem era a dor no peito. A respiração ficou ofegante e difícil. A cada aspiração parecia que um quilo de peso era adicionado ao seu tórax, tornando a próxima um desafio a ser vencido, até quando a situação se torna insustentável. Saak’loo deu seu derradeiro suspiro.

Ao soltar o ar pela última vez sem conseguir preencher os pulmões novamente, o desespero só o tomou por meros 6 segundos. É o tempo que o abdômen demorou para rachar com o som de um galho seco quebrando. Lá dentro, uma miniatura recém-nascida de Saak’loo abria a boca a chorar, para chamar a atenção dos anciãos da tribo e ser resgatado. A Passagem estava concluída. Ele começava ali uma nova vida.