Toda vez que eu ia à padaria comprar o pãozinho nosso de cada dia, passava em frente à casa dessa mulher. Não que eu fizesse questão, mas era o caminho mais curto até meu destino. Aliás, eu nunca tinha reparado na casa especificamente, enfiada no meio de tantas outras daquela rua tipicamente de bairro, em que cada uma é diferente da outra e todas são extremamente desprovidas de detalhes que mereçam um olhar mais atento. Nunca tinha reparado até ouvir um “bom dia” simpático da mulher já citada, sentada em uma cadeira de plástico aparentemente nova.

Retribuindo a polidez incomum para uma cidade grande (só tinha visto esse tipo de situação na casa da minha avó, no interior), sorri e devolvi o cumprimento. Na volta, ela não estava mais lá e segui meu caminho rotineiro abraçado ao bem mais importante do desjejum de casa. Já à noite, exausto do dia de aula na faculdade, peguei-me repassando o episódio da manhã enquanto o ônibus cruzava as avenidas sem pressa de me deixar no destino.

Dia seguinte, despertador soa, moletom sobre o pijama, tênis sem meia e rumo à padaria. Nem me lembrava direito do dia anterior, até porque nem me considerava oficialmente acordado ainda. E, como no dia anterior, o “bom dia” me pegou de surpresa. Como no dia anterior, respondi e continuei a caminhar. Como no dia anterior, ela não estava mais lá na volta. Porém, ao contrário do dia anterior, passei cada momento entre o café da manhã e a volta para casa ao anoitecer pensando naquilo.

Sol nascendo e lá vou eu atrás do pão francês. Nesse dia, contudo, a cabeça voltada à casa e àquela curiosa pessoa da saudação matinal. Eu a via de longe e percebi que ela olhava o horizonte da rua como se estivesse esperando que eu passasse. Ela sabia que eu passaria! Desviei o olhar e continuei os passos rápidos que vencem a distância entre meu portão e a entrada da Panificadora Braga. Mas desta vez havia um plano:

– Bom dia!

– Bom dia! Como é seu nome? – perguntei de supetão, mantendo o sorriso dos dias anteriores.

Ao ouvir uma frase com mais de duas palavras ela corou e hesitou, e esses poucos segundos me permitiram observá-la com mais atenção. De fato, era uma mulher comum em um bairro comum. Parecia pouca coisa acima dos 30 anos, cabelos castanhos poucos dedos abaixo do ombro, cor da pele perdida entre o branco-me-queimo-caminhando-na-rua e o moreno-passo-o-dia-em-um-escritório, rosto liso sem marcas e sem nada marcante.

– Célia, e o seu? – ela havia recuperado a naturalidade.

– Arthur!

– Agora fica mais fácil: tenha um ótimo dia, Arthur! – e seu sorriso se espalhou no rosto e lhe deu personalidade. Passara a ser Célia Sorriso.

– Pra você também!

Célia Sorriso… Meu dia se resumiu a aguardar a manhã seguinte, e se fui à aula ou assisti televisão, apenas meu corpo o fez.

Seis e vinte e cinco da manhã no relógio da cozinha e eu já estava pronto para sair. A ansiedade e a vontade de ver a mulher do portão me fizeram ter coragem até de escovar os dentes antes de partir. Fora isso, apenas meias nos pés eram atípicas.

Lá estava ela, sentada na cadeira branca com seus shorts de lycra preto e a blusinha-de-ficar-em-casa, que posteriormente reparei que eram peças curingas daquele ritual matinal.

– Bom dia, Arthur!

– Bom dia, Célia… – …Sorriso, completei mentalmente. Ela acariciava os joelhos com a palma das mãos lentamente e confesso que me perdi por um par de segundos navegando naquelas coxas grossas e tentadoras.

Os dias se sucederam de forma semelhante: jornada do pãozinho, bom dia pra cá, bom dia pra lá e meus olhos passeavam por mais um filãozinho do corpo dela. Braços, quadril (queria mesmo é ver a bunda, mas com ela sentada ficava difícil), lábios, seios, barriga e o sorriso… Ah, o sorriso!

Dona Sorriso era especial só no meu mundo, e eu tinha plena noção disso. Ela passaria despercebida em uma viagem de metrô ou esperando a vez em uma fila de caixa e, ainda assim, pra mim era uma mulher de sonhos. Incontáveis vezes pensei em prolongar o papo para além daquela meia dúzia de palavras, mas o ímpeto que me levou a perguntar seu nome se diluiu no encantamento que tomou conta de mim ao rastrear os detalhes de suas formas.

Menos de três meses de alegria foram tudo o que tive. Da mesma forma que apareceu, Célia Sorriso sumiu. Não estava lá um dia (e foi o pior dia da minha juventude) e nem em outro qualquer após esse. Nem sei dizer se ela morava naquela casa mesmo, dado que nunca a vi entrar ou sair de lá. Sei apenas que um casal de senhores se mudou pra lá um tempo depois de eu ter aceitado que nunca mais a veria, e foi o que de fato aconteceu.

Acho que ela não sabe disso, mas Célia Sorriso foi minha primeira namorada.