Vida era uma pequena pousada a beira-mar, de frente para uma praia paradisíaca, mas de costas pra uma cidadezinha minúscula, de pouca visibilidade exceto por um círculo de indicação boca a boca.

Até hoje, nem os cidadãos do vilarejo nem os donos da pousada sabem bem direito o porquê, mas ainda no meio do inverno houve uma enxurrada de hóspedes, todos simultâneos. Alguns tinham ouvido falar do lugar há um tempo e acharam que agosto seria uma boa data para a primeira visita. Outros viram a ínfima e deficiente publicidade que fora feita durante o começo do ano e acabaram topando conhecer aquele pedaço oculto do litoral. Por incrível que pareça, teve até gente que pousou lá por engano, achando que estava em outro lugar e notando o erro apenas no momento do check-in. Independentemente do motivo, fato é que o lugar estava cheio como nunca.

Os proprietários e únicos funcionários, um casal de meia-idade que montou o lugar com parte das poupanças da vida querendo fugir da agitação, fizeram o melhor que puderam para atender a todos. Contudo, eram apenas dois para uma lotação completa do estabelecimento. Enquanto um atendia o chamado de um chuveiro que não esquentava, o outro esquentava o umbigo no fogão pra cozinhar para uma multidão. Um arrumava as camas correndo, o outro arrumava o sinal da antena parabólica. Um dava o melhor de si para lavar e secar um mundaréu de toalhas e roupas de cama, o outro dava desculpas pelas falhas de serviço e prometia compensações e cortesias.

Depois de uma semana e meia de apuros, e assim como apareceram, os hóspedes se foram. Aos poucos, discretamente, sem alarde. Sem que se dessem conta, marido e mulher voltaram a ser só os dois mais um ou outro viajante aventureiro. Sandra, uma executiva da área de marketing que buscava inspiração durante as férias para a próxima campanha da empresa, foi a única que ficou um tempo considerável, compartilhando do dia-a-dia dos donos por três semanas. Mas até ela se foi em determinado momento, sem nunca mais voltar ou dar notícias.

Dinheiro entrou bastante, embora sucesso financeiro não tenha sido a intenção inicial dos dois ao abrir a pousada. Histórias para contar se multiplicaram, mais do que a soma de eventos marcantes de qualquer período anterior àquele. Alguns hóspedes deixaram saudades, outros apenas marcas de mãos sujas pelas paredes do refeitório. Sandra até chegou a dar um cartão de contato comercial, mas ele era frio ao toque e incondizente com a energia positiva que emanava dela.

Vida continua a ter sua propaganda tímida e seus hóspedes casuais. Entre um ocaso e outro, o casal passa o tempo entre dividir uma taça de flocos sentados na varanda da recepção e atender o único cliente da semana, que quer saber se eles podem olhar as coisas dele enquanto nada até a arrebentação com sua prancha para pegar uma onda.