Depois de passar algumas horas deitado refletindo, Samuel levantou-se de sua cama. A inspiração final havia tocado seu coração; ele estava pronto para escrever seu conto definitivo. Tomou seu caderno de textos de cima da estante, onde o deixou alguns meses tomando poeira, o lápis de seu estojo – nada de caneta – e sentou-se confortavelmente na sala.
Por quase duas horas o rapaz esfregou o grafite sobre o papel, transferindo suas emoções como costumava fazer antes de ter perdido a paixão pela redação. Amou suavemente e odiou da forma mais amarga cada letra que saltava da sua mente para se alinhar poeticamente sobre as linhas a sua frente. Sem que ele percebesse, toda a história era contada em detalhes pelas suas mãos.
Cessou a escrita quando descreveu o fim, incluindo o desfecho que pensou que não teria coragem de dar a seu personagem. Foi à cozinha, aqueceu um copo de leite e tomou-o calmamente. Pegou uma cadeira, levou à sacada e, do alto dela, sentiu o vento do fim da tarde convocar-lhe. Ciente do seu destino, apoiou-se sobre a beirada do guarda-corpo, buscou equilíbrio e mirou o horizonte.
O sol se punha calmamente, pintando o céu de rosa e laranja: a cena mais linda que ele podia se lembrar de ter visto. Um presente do céu para dar mais beleza à sua despedida. Fechou os olhos e se pôs a voar… O vento carregava suas lágrimas para longe do rosto, mas não era capaz de desfazer o sorriso que ele levou até o instante em que finalmente abraçou seu fim.
Ninguém nunca conseguiu ler o mais belo poema que Samuel havia escrito na vida, a não ser pelos três primeiros versos tirados de uma música: “Se você nunca sair de casa e se deixar levar / Você nunca descobrirá os mistérios do desconhecido / Que está lá fora a te esperar”.