A vida nada mais é do que a sucessão de acontecimentos que passam a nossa frente. Podemos ser apenas um passageiro do vagão tempo, mãos apoiadas sobre o parapeito da janela e os olhos tocando ligeiramente a paisagem, sem foco e sem detalhes. Na velocidade, todas as árvores são árvores, as vilas são um conjunto de casas e as pessoas são pontos que ficam à margem da ferrovia. O conforto do banco, o serviço de bordo, a proteção das paredes de aço por fora e tecido por dentro são as algemas invisíveis da passividade frente ao pequeno percurso que fazemos.

Mas eu não vejo graça nisso; não mais… Houve um tempo em que o trem era o importante: seu estofado deveria estar limpo, a decoração tinha que ser impecável, a viagem silenciosa e sem turbulência. No meu espaço, apenas os convidados previamente revistados entravam. Deviam tirar os sapatos, calçar as pantufas e se servir do melhor do que eu tivesse escolhido. O que ficaria disso era, ao fim dos trilhos, uma máquina linda, perfeita, imponente, mas com apenas um passageiro que não tinha saído dos poucos metros quadrados da cabine de luxo.

Há não muitas estações atrás, resolvi trocar o trem por uma carruagem. O conforto da linha reta, dos trilhos seguros e metálicos, dos dormentes milimetricamente posicionados sobre a pedra, da certeza e da exatidão, tudo isso foi mandado às favas.

A carruagem em que viajo hoje, trazendo as rédeas em minhas mãos, sacode pelas estradas do improvável e pelos caminhos improvisados. Em cada estalagem que encontro, há pelo menos uma história para ser ouvida e outra para ser contada. Pessoas sobem e descem com suas roupas às vezes sujas de terra e lama, e descem após pouquíssimos trotes e sacolejos, mas suas pegadas, seus cheiros e suas experiências compartilhadas permanecem para sempre no veículo que se move sem rumo certo.

Hoje, a sucessão de acontecimentos não apenas passa a minha frente. Ela passa através de mim, assim como todos aqueles que aceitam dar uma volta no humilde carro que conduzo. Quando eu tiver encontrado a parada final, ou quando ela tiver me encontrado, quero que as linhas em meu rosto não sejam apenas das rugas do envelhecimento, mas que elas tenham sido a pauta sobre as quais todas as minhas histórias possam ser lidas e todos os recados que deixaram para mim saltem aos olhos dos que miram a minha figura.

Um dia, sem que eu saiba, pode ser que alguém se interesse por essas palavras grafadas pelos encontros propositais e casuais, pelos amores e amizades, pela família e por todos os outros condutores ou passageiros, e então decida descer de seu trem e subir em uma carruagem simples e selvagem. Nesse dia, o sorriso em meu rosto vai abrir mais linhas em branco e farei questão de que esse alguém seja o primeiro a preenchê-las.