Apesar dos pedidos insistentes e diários de sua mãe, mais uma vez Guilherme chegou do colégio e arremessou a mochila cheia de cadernos e livros no meio da sala, quase tampando a passagem.
Apesar dos pedidos insistentes e diários de sua mãe, mais uma vez Guilherme chegou do colégio e arremessou a mochila cheia de cadernos e livros no meio da sala, quase tampando a passagem. Descalçou o tênis apressadamente e, no mesmo movimento, chutou cada pé do calçado pra um lado do corredor que levava à escada, que por sua vez conduzia ao pavimento superior, onde ficavam os quartos.
O rapaz havia combinado de falar pela internet com Juliana, sua namorada e colega de classe, assim que chegasse em casa, e a garota alertou-o que o assunto era muito importante. Bobo e apaixonado, como todo menino da sua idade, ele nem se preocupava de fato se ela tinha algo de urgente ou fundamental para dizer, queria apenas sentir-se próximo dela em cada segundo do dia. Assim, pulando de dois em dois degraus escada acima, voou para seu quarto para ligar o notebook.
A velocidade com que chegou à porta de seu pedaço da casa contrastou imensamente com a paralisia que tomou seu corpo ao encarar o que viu: sua mãe estava sentada em sua cama, sorriso tímido e contente no canto da boca, com sua pasta de poesias sobre o colo, folheando os retratos de sua alma transcritos em palavras.
A vê-lo aparecer, ela ergueu a cabeça toda orgulhosa do talento até então oculto de Guilherme:
– Filho, que coisas mais lindas que você escreve!
Mas o garoto não pareceu ouvir uma palavra do que dissera a mulher:
– O que você está fazendo aí, lendo meus poemas? – gritou enfurecido.
Sem se dar conta que era uma pergunta retórica e cheia de raiva, ainda extasiada com a descoberta da veia artística de seu pequeno, ela respondeu:
– Vim buscar a roupa suja e sem querer arrastei essa pasta da bagunça que é embaixo da sua cama. Quando a fui colocar de volta, caiu um dos papéis e tomei a liberdade de ler. Achei lindo! Não aguentei e me pus a ler todos os demais…
Enquanto ela se explicava, ele avançou em sua direção e tomou todo o material de sua mão. Pôs-se a rasgá-lo com fúria, soltando gritos para buscar forças quando o papel tentava resistir à sua investida. Seu rosto estava vermelho, a testa enrugada, a feição transformada.
– Filho, não faça isso! Me descul…
– SAI DAQUI! – apesar de sempre ter tratado a mãe com respeito, a frase saiu como um urro de seus pulmões.
Envergonhada e atordoada, um pouco sem entender o que se passava ali, ela atendeu o pedido. Desceu as escadas e caminhou até a lavanderia para terminar de por as roupas na máquina de lavar.
Minutos depois, escutou passos descendo a escada e indo para o quintal. Um fósforo se fez ouvir estalando e um leve cheiro de queimado se misturou ao de sabão em pó e amaciante. Espiando discretamente pela janela, ela viu Guilherme de costas agachado em frente a uma travessa de metal. Notou que os ombros de seu filho sacudiam-se em espasmos de soluço, um choro sem som em que o corpo solidarizava-se aos olhos de cachoeira. Adiante, uma fumaça branca subia. O garoto, por sua vez, assistia toda a essência de seu espírito subir em forma de lenços brancos etéreos, saindo das chamas que dançavam calmamente diante de si.