De: afonso.aragao@gmail.com
Enviada em: sábado, 11 de fevereiro de 2006 01:43
Para: catia_sss@hotmail.com
Assunto: Olha a cagada que estou fazendo…

Não sei exatamente por onde começar, só sei que vou tentar ser 100% sincero e verdadeiro como eu acho que nunca tive coragem de ser. Aliás, num tive coragem de tanta coisa que deixei nosso relacionamento se deteriorar até chegar a esse ponto. Mas enfim, as conclusões devem vir ao final do texto, como ensinou a tia Carmen nas aulas de redação…

Não me peça para explicar o porquê, dado que a resposta eu não tenho, mas sou uma pessoa que consegue gostar de várias mulheres ao mesmo tempo. E com a mesma intensidade! E, como você percebeu percebeu da pior forma, esses anos todos eu não fiquei só com você, mas TAMBÉM com você.

Lá atrás, no primeiro colegial, só venci a timidez e comecei a falar contigo quando vocês começou a andar com a Ana. O perfil molecão dela é muito menos intimidador para meninos acanhados do que a aura de princesa que te envolve, trazida pelo seu jeito meigo. Lembro-me de pegar escondido todo dia o celular da garota para ver as mensagens que vocês trocavam. Lembro também de ler que você tinha ficado com o primo da Kity (sei lá como escreve o nome dessa japonesa doida) e, a partir daí e por semanas, todos os SMSs eram sobre ele. Eu me rasgava de ciúmes, mas era (sou?) tímido demais para tomar uma atitude.

Sofrendo em silêncio, deixei meu corpo flutuar ao sabor da maré. Quando menos esperei e mais rápido do que imaginei, topei com um maravilhoso recife chamado Mariana e TAMBÉM me apaixonei por ela (sim, eu disse acima que consigo gostar de diversas pessoas; gostava dela e de você igual). Contudo, como com ela eu fui correspondido, começamos a namorar. As caretas que você e a Ana faziam quando nos viam juntos hoje são risíveis, mas alargavam as fendas quase invisíveis que nos afastavam. Confesso que, quando me vi dividido entre as amizade das duas (e meu sonho pelo seu amor) e o namoro, não consegui sustentar: terminei. E a dor me fez agir, dando-me o impulso que faltava para eu comentar com a Ana que eu gostava de você, mas não sabia o que fazer para tê-la para mim. Com um pouco de paciência e uma varinha de condão, não tardou até que em uma tarde cinza nossos lábios quase infantis se encontrassem no quintal da casa dela. Ai ai, bons tempos de ouvir Linkin Park, fazer brigadeiro de panela, “mãe vou estudar na casa da Ana hoje” e todo o baú de memórias que enchemos juntos tão rápido.

A passagem do tempo, entretanto, trouxe aquelas que vieram a ser nosso pior inimigo: as férias de verão e as viagens de fim de ano. Apesar de tudo o que estávamos dividindo, eu não queria me sentir preso a você quando fosse para as praias e sítios, e mais uma vez não tive coragem de falar nada. Eu era tão mais imaturo e tudo era tão novo para mim… (Meu, que vergonha de escrever tudo isso; estou me sentindo pelado, mas foda-se) Você foi a primeira que eu beijei! Estava mais perdido que cego em tiroteio, que retirante nordestino quando desce do pau-de-arara, que cachorro que cai do caminhão de mudança…

Em todas as viagens que fiz, pensava em você. Aliás, não conseguia parar de pensar em você. Até liguei escondido uma vez e nem lembro o que disse. Só lembro que foi ruim o que ouvi, e pior o que respondi. E tive minha primeira fossa.

Quando voltei de férias, meu balanço é que não tinha ficado com ninguém. Mas consegui te esquecer, apesar de não ter tido o cuidade do deixar na mente como é ruim ficar mal do coração.

No segundo colegial, a cabeça pensante passou a ser outra! A pegação na turma era generalizada! Já separados pela ação do verão, a gente juntava todo mundo na casa da Ana para causar, lembra? Menina beijando menina pela graça, filme pornô “pra dar risada”, jogo das posições sexuais (“Com almofada no meio, claro! Por que é bagunça, mas nem tanto!” Adoro cabeça de adolescentes), todo aquele clima de viver como se não houvesse amanhã e você só observando. Foi quando eu percebi o quanto nossos caminhos tinham se bipartido:

– Cá, você não vai entrar na onda não! – e emendei gargalhadas verdadeiras.

– Você quer o quê, Afonso? Que eu me jogue aí em cima também e entre na brincadeira, apesar de tudo o que a gente já passou?! – olhando dentro dos meus olhos. Não para mim, mas para meu interior, tão séria quanto eu nunca tinha visto até então.

A frase voou como um soco e aterrisou com violência no meu estômago! Recebi um murro de explicação pela sua ‘falta de interação’ com todos…

Todavia, como eu disse acima, nossas estradas já não apontavam na mesma direção naquele momento. Pela primeira vez na vida, eu tinha amigos e estava gostando de viver.
Como uma droga, porém, esse êxtase cobrou seu preço. A primavera apareceu, as pessoas reduziram o ritmo “pra não repetir o ano” e resolveram estudar e eu voltei a ser sozinho. Carente. Perdido. E você lá; sempre lá. Mesmo sabendo que era eticamente incorreto, me aproximei de você. Voltamos a nos beijar, e agora a inocência tinha dado lugar ao calor. Mergulhado na emoção, nem me dei conta que o fim do ano se aproximava a passos largos. Novamente não queria ficar preso a você e, sem maiores explicações, simplesmente sumi do seu convívio ao fim das aulas. Hoje vejo que foi a primeira de uma série infindável de erros da minha vida afetiva.

Para piorar, você repetiu de ano…

O ano novo inaugurou meu terceiro colegial e seu segundo segundo colegial. Você enturmada com os mais novos e eu com uma nova turma dentro da mesma classe que havia se despedido no início de dezembro que passara. A gente só se via no intervalo; havia uma muralha de concreto transparente entre nós. Não lembro se fui eu quem construiu, mas quando me dei conta já estava lá. Estávamos cada vez mais longe, cada um em seu mundo novo, de colegas novos, de cachaça, de pegação (sem que ninguém tocasse meu coração, devo admitir). O gosto era a satisfação corporal, o momento, tendo como ápice a minha viagem de formatura… Pois é, te contei o que aconteceu e não acho que quero gastar linhas do e-mail com isso.

A ilusão acabou assim que pisei de volta no aeroporto. Dizer tchau àquelas pessoas era mais que um “até mais, te vejo segunda-feira na aula de biologia”. Era um adeus a quem me dera uma vida adolescente de verdade, de radicalização dos abusos, de fazer do corpo um instrumento de experimentação, de me apaixonar pelas sensações, coisa que eu negligenciei a vida inteira. Joguei a bagagem no porta-malas, entrei no carro, sentei e me senti vazio. Menos de um minuto depois, sua imagem me veio à cabeça. Não tenho a pretensão romântica de te falar que foi por amor. Talvez tenha sido mais cafajestagem (existe essa palavra?) minha em saber que teria altas chances de conseguir você de volta. Repetindo o roteiro de todos os finais de ano, te procurei e novamente nos envolvemos. O calor tinha dado lugar à melancolia: você amadureceu nesse ano em que nos falamos pouco e já não era tão conformada com a situação de ser uma muleta emocional. Pena que não contava que minha covardia tiraria da manga o trunfo chamado vestibular. Com ele, consegui me afastar de você de novo e até tentei te empurrar o Daniel em algum momento dessa história, para não me sentir culpado pelo que estava fazendo…

Um novo ano em nossa vida conturbada começou, e, ao menos para mim, veio a faculdade: mais uma desculpa para eu não levar a sério seu coração. Mais uma ilusão. Vivíamos tão perto, mas tão longe um do outro. Não me arrependo de nada do que fiz, nem faria diferente. Só queria ter medido melhor as consequências do que eu fazia. Eu me enganava, forçando-me a pensar que você não se importava em nos beijarmos eventualmente e nada mais depois. Nem o fato de você estar feliz com algum garoto me alegrava (sim, além de cafajeste sou ciumento e egoísta). Aliás, não gostaria que você conseguisse ver minha mente por 5 minutos. Juro que tudo o que escrevi aqui é verdade. Sou um bicho bem pior do que aquele que você odiou quando voou um tapa na minha cara, acredite…

Novamente fim de ano. Novamente te encontro. Novamente te beijo. Novamente te esqueço para viajar. Novamente me iludo. Novamente te engano. As aulas começam e finjo que nada aconteceu.

Até aqui, já havia gostado de várias garotas, algumas simultaneamente. Em alguns momentos, cheguei realmente a te esquecer. às vezes, sinto até vergonha de ter me apaixonado por você em algum momento da vida. Contudo, algo revira minha cabeça frequentemente e te resgata de onde estiver, mesmo que do poço mais fundo.

Diferentemente dos anos que se sucederam até aqui, o ano passado foi um ano de mudanças (nossa, me senti o numerólogo falando). Eu ganhei um carro. Te ver ficou super mais fácil. Infelizmente, abusar da sua boa vontade também. Eu sabia que não quereria nada sério, que ia continuar gostando de outras garotas, inclusive beijando algumas delas, que ia continuar te vendo, porque era cômodo fugir para o seu colo nos momentos de solidão, porque era um canto seguro onde eu podia me esconder do mundo.

A mudança verdadeira veio quando você explodiu. Depois me contou que se arrependeu depois, mas explodiu. E eu vi que não estava lidando com um ursinho de pelúcia, como sempre te tratei. Não era aquela coisa fofa que eu achava que era minha e servia para me confortar. Era com uma garota de verdade. Uma mulher de verdade. Então acordei e parei para pensar em tudo o que fiz até então: não gostei nem um pouco do que vi.

Vi um rapaz convencido e arrogante que não dava valor ao que tinha. Um pivete que se achava um general, conquistando territórios e expandindo seu império. Não via pessoas na sua frente, apenas adversários, parceiros, alianças, desafios… Para piorar tudo, comecei a gostar (sim, novamente gostar simultaneamente) de outra pessoa. E aprendi a enxergá-las (você e ela) como pessoas. Você sabe de quem eu estou falando. E como já tinha feito você sofrer demais por minha causa, resolvi para de bancar o general e decidi tratar pessoas como pessoas.

Ainda estou aprendendo como se faz isso. Meu ar sumiu do peito e a confusão da asfixia me tomou quando você decidiu que não era mais para eu te procurar. Que queria parar com tudo, de uma vez só. Um dos motivos desse e-mail é para dizer que muito me fez bem isso. Me ajudou nessa nova fase minha.

Eu ainda gosto de você, mas como meu ursinho. Só que tenho que me conformar que esse ursinho anda, fala, pensa, chora, gosta, odeia, ama, se afasta, se aproxima, e faz quando quer e do modo que quiser e eu não devo me meter! Tenho certeza de que esse começo vai ser difícil, e te peço ajuda. Não deixe que eu me afaste de você por não conseguir lidar com a situação.

Mas eu também gosto da outra menina de que falei. E pela primeira vez estou tentando fazer da maneira correta: além de todo o turbilhão em que estou nadando para não me afogar, tenho que ser paciente porque ela mora em Campinas.

Cá, não queria dizer por e-mail, mas não tenho coragem de dizer pessoalmente: eu gosto demais de você, sofro por você, me alegro com você, mas não te amo. Aliás, nem sei se já amei alguém na vida (e não vale mãe, pai, irmão, etc.). Se te amasse não teria feito tudo isso. E agora, bem no finzinho, me veio uma vontade de chorar e, se ela quiser mesmo sair, não vou impedir que me faça molhar os olhos.

Acho que gostei desse papo de ser sincero e vou ser obrigado a concordar com você: a Internet é um meio bem mais fácil de falar as coisas. Não me odeie pelo que fiz. Tenho certeza que você vai me olhar de outro modo a partir de agora, mas te imploro para não mudar seu modo de agir comigo…

Não sei como fazer uma despedida deste e-mail sem parecer melancólico, então deixo um simples beijo. Na buchecha 😉

Afonso

P.S.: não reli o texto e você sabe que não gosto de fazer isso. Então ignore possíveis erros de português.