Há um ano, uma alma deixava este mundo e levava junto o chão de muita gente. Alguns seguraram na borda do que sobrou, outros deixaram o corpo cair de forma inconsequente no buraco que se abriu. Eu não estava sobre o cadafalso, mas conhecia uma garota que estava.
Por fora sempre forte, ela gritou e pulou a tempo de se salvar, mas não se deu conta que algo caiu no vão infinito atrás de si, irrecuperável. Seus olhos me pediram desesperadamente por ajuda ao aterrissar do salto, mas eu, cego, não os vi. Tateando no nevoeiro da absoluta miopia, toquei seu braço por acaso e aquela mão fria e suada de medo se agarrou a mim sem dizer uma palavra. Buscava um apoio para se colocar de pé e se escorou na primeira coisa que foi capaz de achar.
Assim que firmou as duas solas no chão, ela passou a se tatear com vigor, como quem procura a chave do carro em todos os bolsos da calça e da jaqueta. Sentia falta de algo, mas não sabia o que era. Olhou para o chão e traçou o caminho com os olhos de seu local até o abismo aberto a alguns metros atrás de si. Eu ainda estava atônito, sem capacidade de ação. Assistia aquilo sem lhe assistir.
Depois de respirar fundo duas vezes, ela se deixou dobrar sobre os próprios joelhos e chorou. A dor do entendimento vazava aos rios pelos vales de seu rosto, enchendo o mar da saudade. Ela percebeu o que caiu no breu lá atrás.
Há um ano, minha namorada perdeu uma parte de si e só depois de muito tempo eu percebi que ali, naquele instante, eu perdia uma parte de mim também.