Sandra caminhava distraidamente alguns passos a frente de Nilton, que carregava uma mala rosa suja, grande, pesada e desajeitada. O rapaz não parecia ter dificuldades em levar a carga, apesar do caminhar não ser absolutamente fluido; ajeitava a bagagem de um ombro para o outro a cada dúzia de passos e inclinava o tronco para fazer contrapeso, ainda que não trouxesse no rosto qualquer expressão de dor ou desconforto.

De fato, o que o rapaz trazia era um semblante abatido, quase triste, contrapondo a leveza e indiferença da menina que caminhava a sua vista. Em um cruzamento, em que ela foi obrigada a aguardar para atravessar, Nilton a alcançou e repousou a mala no chão. Fixou o olhar nela e, sem dizer nada, viu que Sandra olhou para trás e sorriu. Era um belo sorriso. Ela não se aproximou, permaneceu em silêncio a um ou dois passos de distância dele, no exato ponto em que pararam aguardando o semáforo para pedestres abrir. Voltou o rosto novamente para frente e falou “Abriu!”, como se desse ordem para que a manada de pessoas que também aguardava junto iniciasse a marcha entre as calçadas.

Nessa dinâmica de mínima ou nenhuma interação, caminharam por pouco mais de vinte minutos até perto do destino final, quando a moça desatou a falar. Falava consigo mesma em voz alta conferindo mentalmente o que a mala continha, achando que assim teria certeza de que não esquecera nada. Como sempre, citou informações constrangedoras apenas para testar o nível de acanhamento de Nilton, itens como “consolo”, “fio dental: dos dois tipos”, “absorvente interno” e “sutiã que dá peitão”. Ele, acostumado com esses surtos de quem quer chamar atenção, nem corado ficou. Sorriu, entendendo que se tratava do jeito dela para quebrar o gelo.

Ao entrarem na rodoviária, o nível de ruído aumentou sensivelmente, e ele não conseguia mais distinguir se entre aqueles sons a lista dela continuava a ser detalhada. Passou a atentar ao jeito de andar daquela perna de coxa grossa e canela fina, um caminhar que ficou mais curto e com maior tempo entre uma pisada e outra. Finalmente ele fora capaz de notar alguma relutância na menina desde que foi encontrá-la na porta de sua casa.

Desceram a escada rolante sem se falar, mas ao menos ela ficou de frente para ele. Coçou as costas desajeitadamente no minúsculo trajeto do equipamento, pelo que Nilton sorriu e tomou um beliscão gentil ao chamá-la de macaca albina. Após o beliscão, um abraço ligeiro, interrompido pela chegada ao pavimento inferior.

Na plataforma de embarque, o motorista já tinha ligado o ônibus e estava recolhendo as malas de viagem dos demais passageiros, quando ele sugeriu com o corpo que devolveria o pacotão rosa naquele instante.

– Ah, já trouxe até aqui, então leva até o bagageiro, né! – Sandra começou a se virar para seguir ao ônibus quando Nilton a segurou pelo braço e a fez virar, sem fazer força.

– Então é isso? – disse, antes de soltar o braço dela.

– Isso o quê?

– Nunca mais nos veremos, né?

Pela primeira vez desde que se conheceram, ele a viu ficar sem graça e de uma forma tão desconfortável que seu impulso foi lhe dar outro abraço, desta vez mais longo, daqueles que afagam e limitam a respiração, e a pessoa se entrega completamente sem se importar com a sensação de sufocamento. Entre seus braços, o corpo dela segurou um soluço e o queixo em seu ombro demonstrou que ela engolia seco. Nilton desapertou o abraço só um pouquinho para olhar em seu rosto e checar se havia um par de pocinhas d’água embaixo dos olhos. Sandra, durona como gostava de parecer, segurou até o fim, trocando o choro por um sorriso gigante e brilhante como só ela conseguia dar. Pôs as mãos no rosto do rapaz e o beijou com um selinho forte e demorado. Afastou os lábios dois dedos e emendou:

– Acho que não, o Walter não me deixaria receber visita lá…

– Então como faremos?

– Não sei.

– Nem eu.

– Deixa assim então. A vida dá um jeito. – concluiu a moça, desatando-se gentilmente dele, pegando a mochila que estava no chão e se virando para levá-la ao motorista, que só a aguardava para fechar o bagageiro do ônibus sem, contudo, aparentar pressa, exatamente como as pessoas de bom coração fazem quando um casal se despede.

Nilton nem se moveu. Semelhante aos demais postes da área de embarque, observou estático sua menina entrar no ônibus sem olhar para trás. Também a viu acomodar-se em sua poltrona sem se voltar para a janela e acenar um tchau. Não tirou os olhos dela um só instante. A última imagem que teve foi a do veículo começar a se mover enquanto Sandra encolhia as mãos para dentro das mangas do blusão e as esfregava sobre o olhos, quando ela finalmente se permitiu soluçar copiosamente a dor da despedida eterna.