Nada mais naquele quarto lhe chama a atenção. Está ali há mais tempo do que a sanidade humana costuma aguentar, e só pode culpar a si mesma pelo destino infeliz.

A rainha Gabriela, antigamente conhecida por princesa Cinderela, entrou para a família real pelo que a nobreza local chamava de “devaneio de um príncipe entediado”. O príncipe em questão, hoje rei, não tinha guerras para travar, intrigas com que se preocupar ou atividades para praticar que lhe retivessem a atenção. Sua pai cumpria todas as exigências requeridas de um governante, e sua mãe o mimava e o protegia das inconveniências de ser da família real.

Nesse cenário, Charles passava a semana organizando festas ou caçadas e as via tornarem-se realidade aos sábados e domingos. Encantado com uma jovem em uma das festas, e tendo seu sapato de cristal pequeno e delicado como única forma de achá-la após o evento, ele gastou alguns meses da vida buscando-a. E quando a encontrou, casou-se com aquela que hoje responde como rainha.

Dentro de sua prisão de luxo, com uma barriga enorme de oito meses de gravidez, Gabriela passa o tempo recordando-se dos bons tempos que tivera, sendo essa sua única chance real de fugir dali, nem que mentalmente. O casamento foi um evento memorável, comentado por todo o reino até hoje. Quebrando o protocolo real, houve desfile em carruagem aberta do casal de futuros mandatários daquelas terras. Comidas exóticas, apresentações artísticas, oito vestidos diferentes durante os três dias de celebração…

Na lua de mel, viajaram pelos mais diferentes destinos das regiões regidas pelo pai de Charles. Voltaram ao castelo apenas quando ela começou a dar sinais de que daria um herdeiro ao seu marido e príncipe. Contudo, por tempos essa foi a única boa notícia que se teve na nobreza. O rei morreu subitamente, enquanto dormia, instaurando um clima de desconfiança de que o príncipe tivesse envenenado o pai para usurpar-lhe o trono. O reino vizinho, fortalecido pelo fim dos conflitos sucessórios que se arrastaram por décadas, ameaçava invasão. O inverno que chegara, o mais rigoroso de que os anciãos tinham memória, trouxera a fome e a morte à população…

Preocupado, o rei Charles trancou a nova rainha nos aposentos reais, para que ela se cuidasse e cuidasse do filho que trazia na barriga, isolando-a dos males externos. Ele passou a cuidar diretamente das obrigações de rei e apenas ia dormir com Gabriela. Quando esta não conseguiu mais cumprir as obrigações de esposa, ele parou de aparecer e ela estava certa de que a traia com as amas e criadas. Acabou que o filho nasceu filha, uma linda menina chamada Sabrina.

Temeroso pela linha sucessória, Charles voltou a dividir a cama com Gabriela e ela novamente engravidou. Ele já não era mais o mesmo, a opulência do reino dera lugar à simplicidade, a beleza de Gabriela foi suprimida pelos inchaços e pela falta de vontade de se ajeitar, uma vez que não saía daquela clausura forçada.

Gabriela alterna os dias entre a cama e o caminhar em círculos, sempre com agulha e linha na mão a produzir algo para o segundo filho que se encaminha. Um sorriso amarelo e sem vida ainda escapa às vezes, entre um ponto e outro da costura ou tricotagem, fruto de memórias de um tempo que ela está certa de que nunca vai voltar.