A espera parecia consumi-lo mais rápido do que ele consumia aquele maço de cigarros. Já havia atravessado a fase de suar como um obeso em um dia de sol,apesar da sua constituição franzina; já havia passado o período de roer unhas ferozmente; estava agora dividido entre a dor de cabeça e o tabaco, mesmo tendo prometido para de fumar à sua esposa e sustentado o juramento por quase dois anos.

Andava de um lado para o outro à frente da entrada do hospital para evitar que tremesse em demasia (sem sucesso, cabe ressaltar). Aquela demora toda era normal? Estaria tudo bem com ela? COM ELE? Com os cabelos atrapalhados e falando sozinho, nem se deu conta que atraía olhares de todos que entravam ou saíam de lá. Decidiu buscar informações quando sentiu que a última tragada que deu encheu sua boca com o gosto do filtro queimado do cigarro.

“Enfermeira, sou marido da Margarida Soares. Você saberia me dizer o que se passa por lá? Por que tanta demora?!” – “Senhor, garanto que não há nada de errado e sua ansiedade é totalmente natural, acredite em mim. Vocês todos ficam com essa mesma cara…” e sorriu cordialmente. “Por favor, me acompanhe”, continuou, “se conheço bem o doutor Raul, já é quase o momento de você estar por perto.” A vontade de fumar atacou-lhe de novo, mas se esforçou para controlá-la. As mãos começaram a formigar e o rosto aquecia-se a cada porta por que passavam, ainda que o ar condicionado estivesse funcionando em perfeitas condições.

Na antessala, sentiu o estômago fraquejar. Apesar de não ter comido desde que acordou, os movimentos dentro da barriga forçavam o nada a sair. O que faria a partir daquele dia? Como ficaria sua vida? Só naquele instante ele começou a se dar conta das mudanças que chegariam em questão de minutos. Com a ajuda da enfermeira, vestiu o típico traje azul de centro cirúrgico e fez todos os procedimentos padrões de higienização. Os lábios esbranquiçados evidenciavam o nervosismo que nem fazia questão de esconder. A boca não pronunciava uma palavra, talvez por estar seca demais, talvez por ter medo de dizer baboseiras sem sentido.

Ao atravessar a última passagem que o separava de sua mulher, em vão tentou não ver todo o sangue que o procedimento espalhou pelos instrumentos. O cheiro metálico misturava-se ao sufocante odor de pele queimada. Achou que desmaiaria quando o equilíbrio o abandonou por um piscar de olhos; fingiu que nada aconteceu, mas notou que uma das auxiliares presente balançou a cabeça de maneira curta e sorriu com ironia.

Chegou mais perto de sua esposa, que estava acordada, ainda que um pouco atordoada. Segundos depois de segurar a mão dela, ergueu levemente a cabeça e teve uma visão surpreendente. Um ser pequeno, inchado, nu e sujo de sangue se contorcia a cada vez que emitia som. Era a criatura mais bonita que seus olhos já tinha tocado. Aquele era seu filho Miguel.