8h27. Apesar do barulho de despertador, Caio reluta em se mexer. De repente, lembra que é domingo! Bateu os olhos na tela do celular: seu coração dá um pulo e quase consegue sair pela boca. Em segundos, ele já está de pé, correndo atrás da toalha para uma ducha ultrarrápida.

8h42. Escova de dente esfregando-se dentro da boca freneticamente. O jeans sobe desajeitado pelas pernas, guiado pela outra mão.

8h50. Os quatro andares de escada são vencidos aos pulos, enquanto uma fatia de pão de forma é enfiada goela abaixo. “Puta que pariu, não vai dar tempo…”.

9h12. Esbaforido, Caio consegue sentar-se no mesmo banco da pista de caminhada de todo domingo. Aproveita os últimos minutos (segundos?) para ajeitar o cabelo, verificar se está tudo OK com a roupa e controlar a respiração, para deixar de parecer um cachorro no verão. Mas o mais importante ele havia conseguido: chegou antes dela.

9h18. Enquanto ele mexe em seu celular, buscando coisas para se distrair, ouve passos de alguém que corria. Aquele tipo de passo firme, mas sem pesar, característico de quem se exercita pela manhã. Só pode ser ela! Caio ajeita-se sobre o banco, passa a fingir que mexe no celular e acompanha com os olhos sua musa passando.

Como sempre, ela está com aquele ar distraído, concentrada apenas na música que toca em seu fone de ouvido. A cada passada, seu cabelo preso em rabo de cavalo se agita no ar e espalha um perfume único, que pede licença às flores para ser mais agradável e completo. Óculos escuros sutis escondem seus olhos, assim como a blusa amarrada na cintura disfarça o movimento de seu quadril. Contudo, a combinação de leveza e segurança é evidente na roupa de ginástica que veste. Essa cena não dura mais do que três minutos. Em seguida, Caio se promete que, na próxima semana, arranjará uma desculpa para puxar assunto com ela (assim como havia se prometido nos últimos dois meses…).

Os minutos seguintes são de contemplação. O rapaz fica sentado ali por um tempo, revivendo a imagem de sua fada, escolhendo entre aquelas que tinha na cabeça qual era a mais bela. Logo após, uma insegurança tremenda abate-lhe, com dez milhões de mariposas voando e se debatendo em sua barriga e as mãos geladas começando a suar. “Quando, Caio, você vai sair dessa vida e partir para falar com ela?!”, ele se cobra. Mas se responde em seguida: “Como eu faço, então?!”.

Volta para casa, contente e frustrado. Traz no rosto o sorriso do vitorioso, mas o semblante do derrotado. No caminho, para pra comprar uma lasanha congelada no mercado, o almoço que sempre divide com Rita antes de verem séries e jogarem videogame, programa padrão dos dois quando nada mais lhes aparece de interessante para fazer (o que vinha ocorrendo com frequência, cabe ressaltar).

12h02. Toca a campainha. Caio abre a porta e vê Rita com uma sacola de pano a tiracolo, um refrigerante grande em um dos braços e dois boxes de séries de ficção no outro. Ela sorri e entra, cumprimentando-o com o famoso “oi!” tímido que ela manda toda vez.

12h30. Os dois almoçam. Ela faz questão de manter a boca cheia para não ter que falar; ele lhe conta a semana que teve e reclama da vida, o mesmo papo toda vez. Não que Rita se incomode, pelo contrário.

19h47. Depois de um filme e a segunda temporada da série de mistérios da moda, Rita despede-se e vai embora. Caio a vê descer as escadas e repara como ela se veste engraçado: tênis All Star, bermuda jeans que mostra suas pernas brancas e finas, um blusão amarrado na cintura e camiseta com essas frases nerd engraçadinhas. Os cabelos não foram penteados com destreza, apenas esgrouvinhados em uma presilha próxima à nuca. “Ritão, esse é meu brother!”, pensa ele consigo.

Já ela volta para casa, contente e frustrada. Traz no rosto o sorriso da vitoriosa, mas o semblante da derrotada. No caminho, para pra comprar a ração de Ewok, seu pinscher, no pet shop da esquina. Não nota que o filho do dono, que a atendeu, cobra-lhe a menos propositalmente, porque gosta dela. “Domingo que vem tem mais filmes e séries, Rita! Fique calma e espere…”, pensou ela consigo, antes de abraçar seu cachorro ao chegar em seu lar.