Havia pouco menos de um ano que eles não se viam. Depois das férias de meio de ano da faculdade, Elis trancou o curso e foi pros Estados Unidos trabalhar e estudar inglês. Tinha voltado naquele princípio de julho do ano seguinte, sem muito alarde e sem saber que Leo estava louco para revê-la. Pelas redes sociais, o garoto soube que ela já estava de volta e marcou um encontro no barzinho descolado que ela mais gosta.

Obviamente, Leo chegou antes e pegou uma daquelas mesas que ficam na calçada, do lado de fora. Estava no primeiro chopp ainda quando viu Elis chegar. Ela estava linda (como sempre, aliás) com sua calça jeans casual e sem marca de grife em contraste com a camisa polo de corte perfeito em sua silhueta, justo na cintura, provocantemente apertado no busto e com o jacarezinho devidamente posicionado, autenticando o alto preço pago pela peça impecável. Também de jeans e polo, mas mais modesto que ela, Leo não se sentia arrumado o suficiente para ficar de frente com a garota.

Um beijo tímido no rosto e um ‘oi’ foram o ponto de partida para o pobre coração do rapaz disparar. Ele sentia que aquele seria o dia e ali seria o lugar em que finalmente ele perfuraria o imenso iceberg que encerrava os sentimentos de Elis e se poria lá dentro.

De fato, desde o começo da faculdade ele admira essa menina e discretamente (ou não…) se declara para ela. A maioria das atitudes é tão cotidiana que pode passar despercebida pelo mais distraído: carregar a mochila da entrada da faculdade à sala de aula, comprar um bombom aleatoriamente durante a semana e entregar só pra ela “porque não deu pra comprar pra todo mundo”, parar no meio da explicação do professor para observá-la concentrada olhando para a lousa e copiando o conteúdo freneticamente…

Depois de três copos cada um e dezenas de minutos com histórias sobre a América, a viagem, os amigos feitos no exterior, as trapalhadas no restaurante mexicano em que trabalhou e os não poucos dias em que ela correu para o banheiro para chorar sua solidão momentânea, Leo interrompeu os relatos da amiga levando aos lábios de Elis o dedo indicador delicadamente estendido.

Se isso foi o suficiente para que ela arregalasse seus belos olhos verdes, imagine a reação quando em seus ouvidos entrou a voz mansa do rapaz proferindo as três palavras que, em conjunto, são as mais doces da língua portuguesa: “Eu te amo…”

Visivelmente embaraçada, ela em vão tentou esboçar um sorriso que não escancarasse sua surpresa. Com a mesma calma com que se declarou, Leo contou tudo o que sentira desde o primeiro encontro dos dois na cantina, na primeira semana de aula. Visitou as gentilezas que fazia todos os dias, as tentativas frustradas de aproximação em festa, os convites para caronas e companhia em estudos.

Como se o Inusitado estivesse abraçado fortemente ao corpo do garoto, antes que Elis pudesse sair do estado letárgico ele pôs as mãos sobre as bochechas da menina e deu-lhe um beijo. Saindo do seu corpo e migrando para o dela, o Inusitado a fez corresponder o carinho da boca.

Leo sentia todo seu corpo formigar e o equilíbrio fugir-lhe. Naquele segundo, não saberia dizer sequer qual era seu nome ou onde estava. Seu ser e sua essência migravam para a amada através do toque das línguas gentis que se afagavam. Uma mordida leve no lábio inferior o trouxe de volta do êxtase e o pôs sentado com as costas totalmente apoiadas na cadeira; o riso era bobo e frouxo, a visão fixa no rosto de Elis.

Continuando suas peripécias, o Inusitado pôs-se de pé ao lado da menina e o retrato belo e ao vivo que Leo fitava foi invadido por uma pequena gota de água que brotou tímida do canto do olho dela. Seguindo esta, outras mais buscaram espaço e migraram das esferas cor de esmeralda para as bochechas e dali para a mesa. Elis secou os olhos com o guardanapo ordinário que estava ao lado dos copos meio vazios e foi se sentar no colo do garoto.

– É provável que o furacão que se formou na sua cabeça agora ainda nem tenha se dissipado – começou ela – mas é importante que você saiba. Eu já tinha te reparado há anos enquanto me buscava, mas nunca quis te machucar. Ninguém nunca me fez sentir como você me faz sentir: graciosa, linda, útil, desejada… Ninguém nunca me deu atenção como você, ninguém entende minha neura com estudos como você e, por tudo isso, nada pra mim é mais importante que a sua felicidade. E ela não pode se fazer presente se a gente estiver junto…

Assim que ela pareceu encerrar o que dizia e Leo buscava ar para responder-lhe como ele via exatamente da forma oposta, ou seja, que não há felicidade se não for com ela, Elis lhe tampou a boca. Um beijo suave pousou sobre a testa dele e ela sussurrou com a voz embargada pela força que fazia para conter o choro: – Eu só consigo amar de verdade outras mulheres… Eu gosto de menina!