Era uma vez um menino. E, como em toda história que começa com ‘era uma vez…’, tudo estava bem com ele e ao seu redor: vivia com sua mãe, morava em um sítio, fazia coisas comuns e parecia feliz assim. Mas, já que vamos seguir o roteiro padrão do faz de conta, é evidente que essa paz cotidiana vai se abalar em instantes.

Um belo dia, não se sabe porquê, esse menino resolveu caminhar na mata para além do cercado que delimitava seu sítio. As únicas vezes em que ele costumava sair era pela porteira, para pegar a condução escolar, e voltava do colégio diretamente para casa, obedecendo o pedido explícito da mãe.

Andou sem rumo por um quarto de hora, quase em linha reta, sem pretensões de chegar a lugar algum ou buscar algo especial. Contudo, como em um bom conto de fadas, segundos antes de dar meia-volta e seu dia não ter nada de excepcional que valesse a pena um texto, ele avistou uma árvore que ele juraria ser mágica!

No meio de outras menores e quase sem frutos, ela se erguia majestosa, como se governasse sobre as demais. Perto desta, as primeiras pareciam súditas fiéis e devotadas curvadas em reverência à rainha do bosque. Maravilhado com o que estava diante de seus olhos, o garoto abriu um sorriso largo e abraçou o tronco áspero com tanto gosto que arranhou levemente os braços, sem de fato se importar com isso.

Daquela posição, pôde mirar com mais detalhes as flores de cores vivas nos galhos mais jovens e os frutos redondo e de aparência suculenta em toda sua copa. Sentia que aquilo era a forma com que sua majestade devolvia o amor instantâneo que lhe invadira o pequeno coração, que palpitava intensamente. Um grito tímido de êxtase escapou da garganta do menino, que gargalhou logo em seguida.

Ele passou um bom tempo naquela posição, contemplativo, mais tempo do que já havia dedicado a qualquer outra coisa em sua curta vida. Satisfeito, deitou-se entre as raízes aparentes de sua árvore, como se o vegetal o abraçasse, e cochilou à sombra e no frescor que só ela poderia lhe oferecer. Quando acordou, levemente faminto, notou como aquelas frutas formidáveis ficavam bem no alto, sendo que o tronco não mostrava nenhuma brecha que pudesse servir de apoio para uma escalada. Vendo que o sol se fazia distante no horizonte, decidiu que ia para casa, encerrando a visita ao pensar em voz alta: “Amanhã darei um jeito nisso!”.

O menino passou a noite bastante agitado, dormindo sem descansar. Partiu cedo para a aula no dia seguinte, gastando todo seu tempo na escola rabiscando planos mirabolantes para conseguir chegar àqueles frutos. Colocou no papel todo tipo de equipamento e geringonça que se permitiu imaginar. Ao chegar em casa, separou o que achou pertinente para pôr em prática o projeto e partiu para o meio do mato sem almoço mesmo.

Uma vez lá, depois de beijar suavemente o tronco cascudo e pouco convidativo da árvore, armou a escada que trouxera de casa com muito custo. Como se por brincadeira ou birra, não estavam mais lá os frutos mais baixos. O garoto irritou-se de fato, mas, de tão determinado e apaixonado que estava, recusou-se a desistir. Desceu, pegou um cabo de vassoura, que também estava na lista de tralhas carregadas, e tronou a subir.

Esticou-se o quanto foi capaz, pedindo licença a ela para lhe empurrar os galhos baixos e abriu um largo sorriso quando tocou uma fruta! Um toque de leve, insuficiente para extraí-la, mas bom o bastante para fazer suas pernas tremerem de alegria. Infelizmente para nosso protagonista, essa manifestação da felicidade foi o princípio da derrota, já que, naquele estado, não conseguiu manter o equilíbrio e caiu de costas no chão. O cabo quebrou-se no processo…

A fome começava a apertar e as árvores vizinhas, mais acessíveis, apesar dos frutos de aparência comum, não pareciam ser uma opção para o menino. Ela, apesar disso, pouco parecia se importar com o esforço da peleja que era empreendida. Estava estática, fria, imóvel, inacessível!

Impotente e frustrado, ele começou a chorar. Apaixonado e desprezado, ele passou a soluçar. Desesperado, terminou por fugir dali.

Chegando em casa com a noite quase dominando os céus por completo, o garoto rogou a sua mãe que o enviasse à cidade para estudar, como seu irmão havia ido dois anos antes. Sempre preocupada, a mãe compartilhou da agonia do filho e viu seus olhos vermelhos; acatou o pedido alguns dias depois…

Os anos se passaram e o conto de fadas acabou. O menino, que já foi garoto, agora é um belo rapaz. Um jovem alegre e inteligente, amigo de muitos e querido por tantos mais. A soma desse tempo todo faz a saudade da mãe apertar seu peito e ele parte para visitá-la.

A viagem traz de volta diversas memórias guardadas desde sua ida e, como não podia deixar de ser, sua árvore mágica aparece entre elas. O sítio está quase que exatamente como foi deixado, a não ser por pequenas trincas na parede e algumas marcas de expressão no rosto da mãe.

Mata a saudade destes dois em algumas horas e se sente feliz como poucas vezes se sentiu nos últimos tempos: sente-se em casa! Decide, por fim, que visitará a rainha no dia seguinte.

Com os primeiros raios de sol, o jovem salta da cama e segue para o fundo do terreno de sua mãe. Apesar do mato ter crescido bastante, tudo o mais parece ter encolhido. Treme assim que se dá conta: “Será que minha majestade também mudou?”

Chega ao local exato de onde sorriu, chorou, amou e se desesperou: os pés da sua árvore. Ele a fita das raízes à copa. É claro que ela continua imponente, mas não da mesma forma. Seu tronco não é tão grosso, suas folhas verdes não são mais tão atraentes, seus frutos parecem comuns perto da infinidade de outros que já comprou na quitanda da cidade.

Uma lágrima caminha sossegada pelo seu rosto: sua rainha não o atrai mais. Vasculha o coração em busca de qualquer coisa a que se agarrar e encontra, no máximo, um bem-querer indescritível e um punhado de boas recordações. O jovem caminha até a árvore, beija seu tronco, vira de costas e inicia o movimento para voltar para casa. Ouve, antes de dar o terceiro passo, um fruto dela cair no chão. Ele abre um sorriso, mas não se vira. Chega em casa em paz…