Esse barulho de alguém mexendo na porta só pode ser ele. Deixa eu ir abrir antes que ele resolva tocar a campainha, que nem na semana passada, e acorde as crianças. Quando chega da rua uma hora dessas e nem consegue enfiar a chave na fechadura já diz tudo: bebeu todas e mais algumas!
Quase quinze anos de casado, três filhos, pai que morreu de cirrose e ainda parece moleque, saindo toda sexta a noite com os amigos pra “uma cervejinha”. Chega desse jeito, torto que tem que se apoiar nas paredes pra não cair. Nem sei como ele consegue dirigir assim.
– Oi, amor. Senta no sofá que eu vou pegar seu pijama, antes que você deite na nossa cama com essa roupa da rua.
É engraçado, sabe, como ele vem me abraçando todo carinhoso quando está de porre. Me pegando mesmo, como quando a gente namorava e eu tinha que ficar prestando atenção naquela mão boba cheia de más intenções. Falo que é engraçado porque, quando ele está normal, ele até me olha passando às vezes ou faz uma piada maliciosa com o tamanho da minha bunda, mas só. Até quando a gente vai pra cama é meio igual toda vez… Mas do jeito que está agora ele me agarra direito e, quando não dorme antes, a gente até faz aquelas coisas de um jeito mais legal; sei lá, com mais paixão!
– Amor, tenta ficar direito senão eu não consigo tirar sua camisa! Me ajuda, vai… Isso, vai puxando o braço, assim, isso…
Eu já senti cheiro de perfume de mulher nele algumas vezes. Hoje nem está tanto. Não fico pensando muito se ele me trai ou não, sabe. Ele é bom pra mim e pras crianças, dá atenção pra elas, não deixa faltar nada em casa e vira e mexe me traz um presentinho quando chega o dia do pagamento. Meu salário mal dá pra pagar minhas coisas… Fora que, tirando a barriga que aumentou um pouco, ele continua gatão que nem na época que a gente casou. Eu, coitada, depois de três gravidez embaranguei que só lipo resolve.
– Vem, amor, vamos deitar, vai. Me dá a mão… Ai, calma, não apoia que cai os dois, hahahaha. Espera, amor, tira a mão daí! A porta do quarto das crianças está aberta! Vamos pro nosso quarto.
Olha, vou te falar uma coisa, estou torcendo pra gente fazer hoje, sabe… Ando meio carente, me sentindo sozinha. O povo do escritório deu pra achar que recepcionista é faz-tudo, mas não tem uma vez que ouço um ‘obrigado’. Quer dizer, mentira, o Dr. Paulo sempre agradece, coitado, mas o povo de antigamente, que nem ele, era mais educado. Enfim, só um carinho com meu amor pra me salvar. Isso e a música nova do Zezé de Camargo…