Mateus acordou naquele dia disposto a se apaixonar. Abriu um sorriso antes de abrir os olhos e se sentar. Espreguiçou-se longamente, inspirando e buscando inspiração. Sua deusa deveria estar lá fora e hoje seria o dia em que eles iriam se encontrar.
O banho foi longo, relaxante, distraído. Quando fechou a ducha, não conseguia trazer à memória o momento em que entrou no box. Esteve ausente o tempo todo, imaginando como seria o primeiro contato. Olho no olho? Um encontrão sem querer? Uma visão dela ao longe? Talvez uma combinação dos três…
Vestiu-se como se fosse a uma festa elegante, dessas que passam na televisão com cobertura dos colunistas sociais. Não que sua calça jeans casual ou a camisa que colocou fossem o figurino padrão desses lugares; trata-se aqui do zelo com que Mateus fez cada movimento. Penteou os cabelos, como se fizesse diferença para os cabelos tão curtos que usava, passou um perfume suave (não um barato, nisso ele fazia questão de gastar um pouco mais), pegou suas coisas e saiu.
À porta de casa, seu coração começou a palpitar. O tempo começara a contar! Olhou para ambos os lados antes de atravessar a rua, aproveitando para conferir se já encontraria sua alma gêmea ali. “Calma, sem pressa” pensou consigo. Caminhou até a estação com um sorriso muito natural fixo no rosto, mirando cada detalhe de cada mulher que cruzava com ele.
Na plataforma, enquanto aguardava o trem, Mateus encontrou-a a alguns metros de distância. E, sim, ele havia se apaixonado! Uma menina linda, com não mais do que sua idade. Vestia uma camisa branca e uma saia social azul escuro, cabelos castanhos na altura do ombro, maquiagem de quem deve trabalhar em uma recepção ou secretaria. No rosto delicado, trazia um olhar sereno mirando o próprio celular, provavelmente lendo uma mensagem ou admirando uma foto.
Ambos entraram no vagão. De tão cheio que estava o meio de transporte, Mateus não podia vê-la. Seguiu viagem imaginando-a em seus braços, beijando aqueles lábios finos, mas perfeitamente delineados com o auxílio do batom. Pensou nos passeios que fariam, nas conversas que teriam, nas brigas que apareceriam, nas desculpas que pediria acompanhado de rosas, bombons ou um convite para um passeio no shopping, dependendo do tamanho da nuvem negra que estaria pairando sobre aquele corpo pequeno e tão belo.
Em sua mente, pensou em como a pediria em casamento. Pensou na festa que dariam, nas viagens que fariam, nos filhos que teriam… O anúncio da estação final pelo condutor trouxe Mateus de volta ao trem. Ele desceu e caminhou com a multidão. Definitivamente, naquele mar de gente não haveria como encontrá-la, mas sentia que a veria nas catracas.
Não viu. Esperou o máximo que pode e saiu para não se atrasar para o trabalho. Mas o dia havia só começado! Mateus tinha certeza de que a encontraria de novo.
Chegou ao trabalho ainda com sua pequena princesa em mente. Trocou de roupa, vestiu seu colete, pegou a arma, entrou no carro-forte e partiu para sua jornada rotineira. Sentado na parte de trás do veículo, não ousou comentar com os colegas sua paixão. Sem dúvida, ela seria alvo de desejos e histórias instantaneamente! O código de conduta deles (velado, é claro) impedia que se fizessem piadas e comentários sobre a mulher alheia, desde que fosse um casamento. Para Mateus, era evidente que eles haviam se casado, mas o código não contemplava desejos e aspirações.
Desceu no primeiro destino: apenas máquinas e câmeras no cofre do banco. Obviamente ela não estaria ali! Contudo, no segundo destino, uma loja de joias e relógios bastante elegante, seu coração disparou. Mateus havia encontrado sua futura amante!
Ah, que mulher! Olhar penetrante, passos firmes, cintura fina e quadril provocante. Passou por ele duas vezes, enquanto entregava algumas peças da loja para guardar no carro. O perfume adocicado trazia-lhe à mente todas as posições em que fariam sexo em cada um dos encontros. Realizou ali, com todo o carinho que uma amante merece, a cara de safada que ela faria, os pedidos mais loucos que sussurraria em seu ouvido, o ciúmes que teria de sua mulher, o dia em que finalmente eles não mais se veriam… A cara de sério que Mateus ostentava, típica de sua profissão, escondia a felicidade que sentia naquele momento. Ele estava, mais uma vez, apaixonado!
Mais um destino se seguiu antes que eles pudessem parar para o almoço, e recarregar as notas de um caixa eletrônico de um supermercado é tão tenso que ele mal se permitiu relaxar.
“Vamos comer na sede hoje”, anunciou um dos companheiros de Mateus assim que encerraram o procedimento com a máquina. Ao fim dessa frase, um tiro foi ouvido, seguido de gritaria, confusão, corre-corre. Mateus era o responsável por dar cobertura para a retirada da equipe e seguiu o procedimento padrão; ele era o último a entrar no carro em caso de assalto. Depois de mais quatro ou cinco estalos, que mal podia identificar de onde vinha, ele sentiu uma pontada forte nas costas e tossiu sangue. Quase que instantaneamente, a visão escureceu.
Ao abrir os olhos, pensou que estava no céu. Um anjo negro, de olhar carinhoso e preocupado, envolto em muita luz observava-o. Percebeu estar deitado em uma cama, e daqueles lábios femininos, apesar de grossos, e de aspecto muito macio, um sorriso se abriu. “Relaxe; descanse… Você está em um hospital”, sussurrou a voz mais confortante que o rapaz já havia ouvido. Mateus fechou os olhos; havia se apaixonado novamente…