Ela não parava de olhar para a minha namorada. Mesmo estando do outro lado do salão, mesmo com pessoas atravessando frequentemente a linha do olhar, mesmo comigo tentando abraçá-la da forma mais evidente possível para mostrar que ela estava acompanhada, aquela moça não fazia nem questão de desviar o olhar. Bebericava seu drink e mirava minha namorada.
Ela se vestia de um modo bem alternativo, parecendo aquelas pessoas que gostam de filmes iranianos e rock irlandês. A maquiagem era leve e pouco se destacava na pele clara do rosto. O chapéu de feltro azul escuro cobria parcialmente o corte channel tingido de ruivo. O rosto ficava ligeiramente inclinado para frente enquanto uma mão segurava o copo longo suado e a outra tocava o canudo com apenas dois dedos, pondo e tirando a boca dele vagarosamente entre os goles. O olhar, esse não saía de cima da minha garota.
Quando a garçonete chegou com o bolo e a vela, seguidos pelo “Parabéns pra você” que sufocou as conversas paralelas do bar, imaginei que o constrangimento cessaria. Me dei o direito de esquecer da presença daquela indiscreta por alguns minutos enquanto cantava, batia palmas, abraçava e beijava minha namorada, seguido por todos os nossos amigos que completavam a mesa.
Foi o tempo de distribuir os pequeninos pedaços de bolo que resultaram da divisão do doce entre os presentes, comê-los e ouvir as piadas ruins costumeiras tipo “com quem será” e “quantos ânus você tem agora?”, que servem para esfriar os ânimos após a vergonha coletiva de cantar batendo palmas como crianças de pré-escola. Bati o olho onde a curiosa deveria estar e vi um vazio. Ao invés de paz, um terror me tomou: eu tinha perdido um inimigo de vista! Vasculhei o entorno já desistindo de ser discreto, revirando a cabeça e torcendo o corpo inquieto sobre a cadeira. Minha namorada notou e fingiu que acreditou na desculpa esfarrapada que criei na hora.
Só parei de me mexer quando o frio tomou conta da minha espinha e congelou meus movimentos. Paralisado, observei a doida sair do banheiro passando os dedos pelos cabelos curtos e ajeitando o chapéu sobre a cabeça em seguida. Vinha com passos firmes dados por um par de pernas finas envelopadas em um jeans justíssimo. No corpo, uma blusinha branca agarrada, com um decote quase indecente e os seios impedidos de saltar para fora pelo colete escuro que terminava de compor o figurino. Era modelo, bela, magra, alta, esguia e deslizava pelo corredor com suavidade, olhar fixo na minha garota.
Deu oito passos, no máximo nove, e já estava ao nosso lado.
– Como é seu nome? – e ela iniciou a invasão indagando a aniversariante.
– Sara.
– Meus parabéns, Sara! – e seu corpo se inclinou sobre ela com os braços muito abertos e um sorriso lindo e magnético nos lábios.
Para minha surpresa, Sara se levantou e retribuiu o abraço! Abraço longo. Longo… Eterno… Infinito, ainda que até hoje ela jure que durou míseros segundos, como qualquer outro. De frente pra mim, a estranha olhou em meus olhos e eu via a maldade de sua intenção.
Por fim elas se desgrudaram e a intrusa pegou as duas mãos de Sara.
– Felicidades! – o mesmo olhar que ela me dirigiu agora era endereçado à minha namorada. Por fim, virou-se para a porta e saiu.
Ela se foi sem dar nome ou telefone. Sara gostou do abraço e me criticou quando contei toda a história desde a fixação visual. Eu sei que ela queria minha menina para ela! Mas Sara não acreditou em mim. Pior! Sara gostou do abraço…