Do alto dos seus quase trinta anos, ela se fez pequena, se fez menina, e falou com pureza de coração:
“…é que eu gosto de você!…”
Vi uma garotinha de vestido rosa rendado olhar para cima segurando uma caixinha de sapato infantil docemente adornada com a simplicidade e a falta de destreza que só uma criança consegue ter. Dentro, um coração cor-de-rosa luzia, onde as batidas eras pulsos cintilantes partindo de dentro de um diamante rosado, quase translúcido.
Tremi. Eu não sou digno dessa peça. Sou um colecionador, não um adorador. Essa frágil pedra preciosa merecia um altar a ser visitado diariamente com reverência real, incensos, flores e amor. Os presentes que recebo ficam em estantes na parede principal da sala, à vista de quem passa. Cada um carregam uma história, uma lembrança, uma pessoa e uma tristeza.
Aflito, tomei a caixinha nas mãos e agradeci com um beijo carinhoso na testa dela. Conversamos mais um tempo, enquanto ela aos poucos voltava a ser mulher. Quando a noite terminou de cair, fomos dormir.
Antes que ela acordasse, levantei da cama, me arrumei e parti. Deixei a caixinha com o adorável coração sobre a mesa, aberta, iluminando minha retirada. Em um papel que encontrei na gaveta da sala, usando uma caneta Bic vermelha que estava ao lado do caderno de rascunho, desenhei e preenchi meu coração: rabiscado, irregular, estranho, não-bonito. Logo abaixo, a nota de despedida:
“Você merece muito mais do que esse coração esquisito que tenho para dar. Fico extremamente feliz em ter me dado o seu, mas não sou capaz de aceitá-lo. Dê para alguém que de fato vai cuidar desta joia como ela merece.”
Antes de fechar a porta a minhas costas, tirei uma foto do lindo presente recusado para enquadrá-la e colocá-la em um porta-retrato na estante da sala de casa.