Prezado Rádio do meu carro,

Eu não sei quem andou te contando minha vida pessoal, ou se você indiscretamente ouve o que converso com as pessoas que entram no veículo. Agora realmente não me importa. Mas peço encarecidamente que pare de colocar para tocar músicas que me lembrem dela.

É fato que ouvir o Cristiano Araújo lamentar que “sofri e chorei largado” era dica óbvia demais, bem como os sempre presentes nas ruas Jorge & Mateus me lembrando que “eu não imaginava te merecer” e, depois de “dono desse amor”, acabei por perdê-lo. Parei com ranchos fundos e boates azuis.

Só que você, senhor Rádio, tem colocado opções que burlam o meu veto ao sertanejo. Blink-182, cheio de “All the small things” e “Feeling this”, só aparece pedindo que “Don’t waste your time on me, you’re already the voice inside my head: I miss you, miss you…”. De uma lista de quase duzentas músicas de rock das mais diferentes bandas, tocando em ordem aleatória, antes da primeira meia hora de som Boys Like Girls me põe pra refletir que “when I close my eyes and drift away, I think of you and everything’s okay. I find you; now you’re leaving. Then maybe its true that I can’t live without you, maybe two is better then one”; quando não, Daughtry esfrega na minha cara que “then I see your face and it’s no surprise: just like that I’m crawling back to you”. Até quando era pra sair por cima, naquela hora em que Cazuza desdenha que “confundo as tuas coxas com as de outras moças”, me vem à mente a cara dela indignada ao escutar essa frase dele pela primeira vez.

Quando o rock não é alternativa, você interfere em minha lista de soft musics, também extensa e também em random, só para piorar. Passenger, com não mais do que um piano, um violão e uma bateria simples, praticamente acolhe minha cabeça em seu ombro enquanto me explica que “only know you love her when you’ve let her go”, dando detalhes de como “you see her when you close your eyes” e “you see her when you fall asleep”, mas me sendo bastante compreensivo ao perceber que “everything you touch surely dies”.

Lisa Loeb é menos complacente quando você a põe pra falar. Ela me mostra como “I thought what I felt was simple”, mas que “now that I am leaving, now I know that I did something wrong ‘cause I miss you” e que “I thought ‘hey, I can leave, I can leave’, but now I know that I was wrong, ‘cause I miss you”. Perceba, rádio, que a cantora te denuncia a intenção ao dizer que “I turned the radio on, I turned the radio up, and this woman was singing my song”, exatamente o que te peguei fazendo.

Música eletrônica! Tentei te despistar então com música eletrônica. Não pensei ser possível que no meio de tanta batida com pouca letra você acharia espaço para a patifaria que vem fazendo com minha cabeça. Só que você resgatou Daft Punk de 2001 e descreveu com minúcias minhas noites de sono nas últimas semanas: “Last night I had a dream about you”, “a kind of feeling I’ve waited so long”. “We were dancing all night long. [I] put my arms around you. You’re feeling mine, you wrap your arms around too. But suddenly I fell the shining sun; before I knew it, this dream was all gone. I don’t know what to do about this dream and you. I wish this dream comes true”.

Meu último reduto de esperança foi migrar para a MPB, antes de resolver só ouvir notícias para todo o sempre. Tudo ia bem, ouvidos relativamente blindados com minha indiferença para com esse estilo musical. Pensei ter achado meu refúgio de você. Até ser surpreendido por um esquecido 14 bis dizendo em bom português que “foi assim como ver o mar, a primeira vez que meus olhos se viram no seu olhar. Não tive a intenção de me apaixonar; mera distração e já era: momento de se gostar. Quando eu dei por mim, nem tentei fugir”.

Rádio, você ousou cavar fundo no submundo das músicas baixadas há eras e colocar Visconde pra cantar! Você tem noção de quão baixo é um golpe desses? De quanto fiquei mal ao escutá-lo recitar choramingando que “ontem eu sonhei com você e só te liguei porque eu precisava ouvir aquelas coisas que eram tão normais, que a gente já nem falava mais” e implorando para que ela “diga que não vai sair da minha vida, diga que não passa de mentira quando dizem que o amor morreu. Então diga que o tempo fecha todas as feridas e que pra nós existe uma saída, que nem por um segundo me esqueceu”. Depois de enfiar uma adaga em meu coração, o moço a torce concluindo que “hoje acordei sem você e eu só percebi quando eu senti falta de mim”. Enxerga agora o que você anda fazendo?

E antes que eu pudesse me recuperar do transe causado pelo impacto de sua artimanha, Tim Maia em seguida me entregou um texto pronto do que eu queria falar pra ela e não achava palavras: “Venho lhe dizer [que], se algo andou errado, eu fui o culpado, rogo seu perdão. Venho lhe seguir, lhe pedir desculpas, foi por minha culpa a separação. Devo admitir que sou réu confesso e por isso eu peço, peço pra voltar. Longe de você já não sou mais nada. Veja! É uma parada viver sem te ver”.

Mas querido rádio, ela não quer mais saber de mim. Ela não abriria os ouvidos para escutar um minuto de nenhuma dessas músicas se soubesse que partiram de mim. Aí me restam duas opções. Ou chegamos a um acordo e você me dá “Bohemian Rhapsody” do Queen, “One” do Metallica, e mesmo Red Hot Chilli Peppers ou Pearl Jam, Fresno ou The Used, coisas já digeridas e bem entendidas, ou me dá uma injeção de coragem com ousadia e toma conta do volante pra levar o carro até a porta da casa dela, enquanto Henrique & Juliano dividem as tristezas comigo contando que “acreditar no amor já não faz mais sentido. Eu vou continuar nessa vida bandida até você voltar”.

Decida-se!

Obrigado,

Lucas Alves