O canto vinha de longe, mas era completamente distinguível dos demais sons que se percebe quando se está no campo. Apesar de ser mais cedo do que costumo me levantar, fiz questão de sair da cama e abrir a janela do quarto para procurar o primeiro pássaro que cantava.

O ranger da janela de madeira precedeu a avalanche de luz matinal que invadiu meus olhos. O turbilhão sensorial, contudo, não foi capaz de afastar a música do pequeno animal mais animado com o começo do dia do que eu. Pelo contrário, o sopro que entrou trouxe mais intensidade e emoção à canção. Fiquei quase meia hora apoiado ali, contemplando de pijamas o nada, o ouvido extasiado…

Assim como começou, a melodia cessou. Tudo o que vi foi um pequeno pássaro azul e branco saindo do alto de uma árvore de copa bem larga e voando na mata para onde os olhos já não o acompanhavam mais.

O dia seguiu. Na chácara do tio desse colega de trabalho ninguém ficava parado: churrasco, música, baralho, piscina, casos contados e risadas, regado a cerveja e alegria. Já perto do momento de ir para a cama veio a ideia. Juntei um pouco de gergelim que achei na cozinha, peguei uns pedaços cortados de mamão que não foram usados na salada de frutas, enchi um bebedor de água, desses de beija-flor, e pus tudo na mesma árvore em que o pássaro estava de manhã. Deitei na cama inquieto, fechando os olhos para lembrar da música incrível que me despertou e abrindo em seguida com medo de não ouvi-la caso fosse cantada cedo.

O plano deu certo! A noite mal dormida valeu a pena quando o despertador da natureza me pôs novamente com os braços sobre a janela e um sorriso contemplativo no rosto. Nem sei dizer quanto tempo durou a apresentação. Só sei que durou o suficiente para eu me apaixonar por um som.

Assim passei o feriado inteiro. Aproveitei tudo o que pude de dia e de noite, mas reservei os minutos preciosos antes de dormir para preparar o prêmio e o agradecimento àquele que me retribuía com a mais bela canção que já tinha ouvido fora de um rádio. Até hoje me lembro da sensação de formigamento do rosto, dos pêlos do braço arrepiando e das milhares de mariposas passeando em minha barriga toda vez que abria a janela. Minutos quase eternos de um sentimento que não sei se há um nome para descrever, pois nunca mais senti algo igual.

O fim dos dias na chácara chegou rápido, apressado pelo dedo voraz do prazer, que empurra o ponteiro do relógio e o faz correr mais veloz que o de costume. Contudo, nem o tamanho da alegria desses dias somado chegou a fazer frente ao tamanho da tristeza de preparar o pratinho da última noite. O coração apertou enquanto picava a manga e os olhos marearam ao encher o bebedor.

Fomos embora no domingo a noite e deixei tudo da mesma forma como nos outros dias. Na segunda pela manhã, após vestir a camisa para ir trabalhar, abri a janela do apartamento e transformei ruas em grama, prédios em árvores e fumaça em cheiro de orvalho. De olhos fechados, relembrei a canção que nunca mais pude ouvir ao vivo, pensando no animalzinho satisfeito com a última vez em que recebeu seu singelo café da manhã.