Adão e Eva tiveram um filho e lhe deram o nome de Caim, aclamando: “Tivemos um filho homem com a ajuda do Senhor.”

Pouco tempo depois, antes de Caim começar a andar, Eva deu à luz Abel. Uma vez em idade de laborar, Abel tornou-se pastor e Caim, lavrador.

Adão ensinou a seus filhos a arte de ofertar frutos do seu trabalho ao Senhor, como forma de adoração e pedido de perdão, fortemente influenciado pelo remorso da expulsão do Éden. Caim oferecia frutos da terra e Abel, por sua vez, imolava os primogênitos do seu rebanho e os queimava com suas gorduras.

Eis que o Senhor olhou com agrado para Abel e sua oblação, cheirosa e atraente, mas não atentou para Caim nem para seus dons, que crepitavam sem exalar. Caim ficou extremamente irritado com isso, e o seu semblante tornou-se abatido. Sentado em frente ao altar, vendo as feições satisfeitas de Abel e se sentindo culpado por odiá-lo, o irmão mais velho lembrou-se do dia em que sua mãe lhes contou pela primeira vez sobre o Éden e de como ela e seu pai haviam sido expulsos de lá.

Eva, contudo, avançou na história somente para Caim. Na ocasião, ela lhe dissera que Deus fazia de tudo para dificultar a vida dela e de seu pai após serem despejados do Jardim. E mesmo assim, Adão continuava a adorá-lo na esperança da readmissão. Cabia a ela segui-lo, culpada que se sentia por ter cedido às provocações da serpente.

Um século havia se passado, continuara, e tanto o hábito da adoração quanto a crença na redenção permaneciam firmes em Adão. Com o nascimento do primogênito, Adão estava certo de que consagrá-lo ao Senhor comoveria seu coração divino. Agradeceu pelo filho homem que tivera e louvou. Deus, entretanto, tinha outros desígnios; se manteria na ofensiva ao casal.

Eva encerrara a história contando que, em uma ironia, quase uma brincadeira com as palavras do primeiro homem, o Senhor fez com que Caim não se comportasse como o homem que ele criou do barro, mas como a mulher que ele gerou da costela. O primeiro filho do primeiro casal seria afeito a Eva, se aprazeria em cozinhar e se enfeitar. Seria algo diferente. Nem homem, nem mulher, seria uma prova viva da permanente insatisfação de Deus com o casal. Quando já havia alterado a essência de Caim, Ele contou a Adão o que fizera, que contou a sua mulher. Ela não soubera dizer, na época – e é provável que não saiba ainda – o porquê de Deus lhes ter contado.

Desde esse dia, Caim já não era mais o mesmo. Tinha ficado evidente para ele o porquê de seu pai e seu Deus preferirem Abel, mesmo que Eva o tratasse com mais amor. Passou a fazer suas obrigações com mais pesar, deixou de se arrumar tanto, tentando em vão passar um ar mais viril como era o de seu irmão, vivia cabisbaixo e recluso. E segurava o choro toda vez que suas ofertas ao Senhor não eram recebidas com atenção.

Fato é que Deus se arrependeu da aberração que criou, mas não falou para ninguém. Não voltou atrás para não aliviar o peso que impunha sobre Adão e Eva, ao custo de fazer a vida de Caim miserável. Ver aquele rapaz grande, forte e barbado andar com trejeitos femininos, pentear os cabelos demoradamente, bem como o de sua mãe, além de ter que ouvi-lo afinar a voz para tentar ocultar o grave herdado do pai, isso era como insulto aos próprios olhos. Mesmo sendo o causador da situação, Ele se desgostava de Caim, e não conseguia esconder isso ao receber as ofertas.

Absorto em seus próprios pensamentos, Caim não se deu conta de que a fogueira já havia se apagado. Abel chamou-lhe para voltarem para casa, mas ele preferiu ficar mais um pouco ali, sozinho.

Com a saída do irmão mais novo das cercanias do altar, o Senhor falou: “Por que estás irado? E por que está abatido o teu semblante?”, como se Ele mesmo não o soubesse. “Se praticares o bem, sem dúvida alguma poderás reabilitar-te. Mas se precederes mal, o pecado estará à tua porta, espreitando-te; mas tu deverás dominá-lo.”

Ao fim do monólogo, Caim retirou-se dali com pressa, sem responder. Alcançou então Abel e lhe convidou: “Vamos ao campo.” Logo que chegaram, o irmão mais velho acertou as costas da cabeça do outro com um pedaço de pau, lançou-se sobre ele e o matou.

Assustado com o que fora capaz de fazer, ele correu sem rumo, apenas para se afastar dali. Ouviu o rugido de Deus ainda com o coração disparado: “Onde está seu irmão Abel?”. “Não sei! Sou porventura eu o guarda do meu irmão?”, respondeu. Em tréplica, escutou: “Que fizeste! Eis que a voz do sangue do teu irmão clama por mim desde a terra. De ora em diante, serás maldito e expulso da terra, que abriu sua boca para beber de sua mão o sangue do teu irmão. Quando a cultivares, ela te negará os seus frutos. E tu serás peregrino e errante sobre a terra.”

Desesperançoso e incapaz de prender o choro, absolutamente ciente da gravidade do que fizera, arrependido de ter descontado toda sua frustração em Abel e, em última instância, a mais infeliz das criaturas sobre o planeta, Caim suplicou: “Meu castigo é grande demais para que eu o possa suportar. E não falo de ter tirado a vida de meu irmão. Falo de ser instrumento da tua raiva contra meus pais. Eu queria ser como meu pai e seu filho, mas só sei ser uma filha para minha mãe. Nunca mais pude mostrar contentamento em viver ao descobrir o que fizeste comigo. Todavia, parte meu coração saber que nem o Senhor me aceita como me criou, como sou.”

Continuou: “Eis que me expulsais agora deste lugar, e eu devo ocultar-me longe de vossa face, tornando-me um peregrino errante sobre a terra. O primeiro que me encontrar, matar-me-á.”

Sentindo todo o amargor das palavras de Caim, Deus refletiu por um tempo. Respondeu então a Caim: “Não! Aquele que matar Caim será punido sete vezes”. O Senhor, então, pôs em nele um sinal, para que, se alguém o encontrasse, não o matasse.

Caim retirou-se da presença do Senhor e foi habitar a oriente do Éden. Conheceu e deitou-se com homens e mulheres durante sua vida, gerou prole e morreu naturalmente, aos oitocentos e três anos. Nunca mais falou com Deus, nem foi chamado por Ele. Seus sinal, contudo, é visível em seus descendentes até os dias de hoje, alvo de ira da intolerância dos filhos de Deus.