Quando abri o envelope e vi seu convite de casamento dentro, fiquei estático. Dizer que milhões de coisas passaram pela minha cabeça naquele momento seria a mais pura mentira: eu simplesmente não pensei em nada! Caminhei em silêncio da caixa de correio até dentro do apartamento, provavelmente com uma cara de zumbi (ao menos era como eu me sentia naquela hora).

Assim que tranquei a porta, me veio à memória sua voz perguntando “Amor, é você? Já chegou do trabalho?” e caí em mim. Sentei no sofá e revisitei o convite com os olhos. Estava tudo lá: letras douradas, papel elegante, o nome de todo mundo em caligrafia rebuscada… Você realmente iria se casar!

Meus olhos marearam e deitei no sofá para evitar que escorressem. Nunca fui do tipo que mostra esse tipo de fraqueza, apesar das críticas que você fazia a essa atitude minha. Com a cabeça sobre a almofada, notei que seu cheiro não estava mais na casa, o cheiro maravilhoso que senti da primeira que nos encontramos, quando fui te ajudar a empurrar o carro enguiçado (a combinação ideal de filme romântico, unindo situação ridícula com pessoas feitas umas pras outras).

Desde aquele dia, pensar em você e querer estar a seu lado eram as duas únicas coisas de que eu precisava para sobreviver. Para ter isso, aceitei viajar quase todo fim de semana para sua cidade, entrei em um curso de arco e flecha para te fazer companhia, aprendi a comer McDonald’s e fingir que estava uma delícia, briguei com amigos que diziam que você não era a pessoa certa para mim, segurei sua mão quando você contou para seus pais do nosso namoro (e quando eles não me aceitaram e você decidiu morar comigo)…

Foram dois anos maravilhosos! Até o dia em que seu pai, em um jogo sujo, usou a doença da sua mãe como chantagem. Aquele infeliz me chamava de ‘camarada’ quando eu ia te buscar em casa como amigo e até aceitei assistir dois ou três jogos da Portuguesa com ele para tentar me aproximar, ainda que futebol seja tão interessante para mim quanto os hábitos alimentares das lhamas. Mas a máscara caiu e ele exibiu a carranca sem mostrar o mínimo de pudor depois que viramos um casal!

Por um lado, até entendo que você tenha me abandonado e aceitado voltar para casa dos seus pais; você nunca escondeu que sua mãe era seu xodó, e ela merece por ser um doce, embora muito fechada (culpa do seu pai, com certeza!). Me lembro de arrepiar com sua emoção na primeira vez em que ela ligou escondida para você e te desejou boa sorte nas suas decisões; havia uma semana que você havia se mudado para cá.

Apesar das tristezas, estou neste instante sentado aqui no fundo da igreja, escrevendo esta carta de despedida para te mostrar que ainda te amo demais e que respeito que você tenha concordado com o último pedido da sua mãe: casamento na igreja, como pede o costume. Espero conseguir entregá-la ao fim da celebração.

Seja feliz em sua vida, porque na minha essa possibilidade já não existe mais. Tudo o que me resta é, antes de deitar, reler o verso deste convite, onde sua letra inconfundível desenhou as correntes eternas que me prenderão a você:

“Paulo, me perdoe por tudo o que estou te fazendo passar. Saiba que o grande amor da minha vida ainda é e sempre será você. Mil beijos, Renato.”